O pesquisador Felipe Ribeiro apresentou, durante a Agrobrasília 2019, a palestra “Mercado de produtos e serviços da biodiversidade do Cerrado na recuperação ambiental: o Projeto Biomas e o WebAmbiente. A palestra foi apresentada no auditório do estande do Sebrae na feira, realizada de 14 a 18 de maio no Parque Tecnológico Ivaldo Cenci, no PAD-DF.
Ribeiro iniciou a palestra ressaltando a necessidade de aproximação entre os atores da cadeia produtiva, do poder público e demais instituições na discussão sobre recuperação ambiental e do mercado de produtos e serviços da biodiversidade.
O Projeto Biomas é uma iniciativa da Embrapa e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) que reúne 330 pesquisadores e 122 instituições em todo o País. Tem como objetivo desenvolver formas de gestão da paisagem na propriedade rural com a inclusão de árvores em sistemas produtivos nos seis biomas brasileiros. “Trabalhamos para entender como o Código Florestal está ajudando no que plantar, onde plantar e como plantar espécies nativas”, explicou.
O Cerrado tem mais de 12 mil espécies de plantas conhecidas. “Quando se fala em recomposição e plantio, temos que saber onde está o pote de ouro nesse sistema. Se é que ele existe”, observou, apontando para a necessidade de convencimento dos produtores rurais quanto à necessidade de plantar árvores na propriedade, mesmo que se tratem de espécies perenes que não trazem a renda anual da produção de grãos. “Temos que entender esta pergunta que o agricultor sempre se faz: o que faço com o que tenho? Todas as perguntas sobre a recomposição têm que ser feitas antes de se plantar uma espécie nativa”, disse Ribeiro.
Ao falar sobre o mercado da biodiversidade e os atores, o pesquisador destacou a necessidade de transformar o manejo agrícola na commodity “conservação” para que haja assistência técnica, crédito, informação e tecnologia, políticas públicas, fiscalização, entre outros fatores. “Precisamos pensar nesses atores juntos para trazer essa commodity”, completou.
Para isso, ele elencou alguns desafios, como identificar as exigências ambientais das espécies nativas; estimar índices técnicos de sustentabilidade econômica do plantio de árvores em diferentes ambientes; e testar novas tecnologias para plantios de espécies nativas. Também apontou objetivos específicos para as Áreas de Uso Alternativo (AUA) do Solo, de Reserva Legal (ARL) e de Proteção Permanente (APP), como definir as técnicas de coleta de sementes, germinação e de plantio adequadas; identificar como replicar as técnicas disponíveis; apontar índices técnicos para modelos e consórcios recomendados; e gerar parâmetros úteis para a discussão da legislação ambiental.
“A legislação obriga o produtor a plantar, mas não informa onde nem quando ele deve coletar as sementes. Essa é a nossa obrigação como instituição científica para que a lei possa funcionar”, comentou, mostrando como o Projeto Biomas enfrenta esses desafios e como pretende atingir os objetivos no Bioma Cerrado. O componente Cerrado do projeto conta com 26 subprojetos que realizam diagnósticos e atuam nas AUA, APP e ARL. Os resultados dos subprojetos serão apresentados em um Dia de Campo que será realizado na Fazenda Entre Rios, no Distrito Federal, no dia 7 de junho. “Temos todo esse acervo de informação e, junto com órgãos ambientais do DF, estamos planejando criar situações para atender esse mercado do chamado Novo Código Florestal”, explicou.
O pesquisador destacou o papel de protagonismo do produtor rural ao implantar, nos diferentes biomas, sistemas de produção específicos para AUA, APP e ARL que atendam à legislação e ofereçam serviços ambientais e retorno econômico. Ele lembrou que a recomposição ambiental pode demandar muito ou pouco investimento. “Alguns sistemas (de recomposição ambiental) são menos caros, como a semeadura direta, mas o retorno está no serviço ambiental”, exemplificou.
Se nas áreas produtivas os produtores podem utilizar diversos sistemas para produzir, o mesmo não ocorre nos ambientes de APP e ARL, pois os conhecimentos sobre os serviços e produtos da biodiversidade ainda são insuficientes. “Esse é o nosso desafio como instituição de pesquisa ou órgão ambiental de trazer resultados financeiros na APP e na ARL. Ainda não sabemos quais são esses serviços ambientais. Ou talvez saibamos, mas não sabemos o quanto valem e o quanto estão relacionados com o que comemos no almoço ou no jantar, com o ar que respiramos ou com a água que bebemos. Ou muitas vezes até sabemos, mas não estamos dispostos a pagar por isso”, disse.
Ribeiro lembrou que o produtor tem a obrigação legal de preservar o ambiente, por meio da APP e da ARL, mas que o que deve ser feito é a conservação dos recursos naturais. A conservação é o uso racional de um recurso qualquer (água, solo, biodiversidade entre outros), ou seja, é adotar um manejo de forma a obter rendimentos garantindo a autossustentação do meio ambiente a ser explorado. A preservação, por outro lado, significa apenas proteger um ecossistema ou recurso natural de dano ou degradação, ou seja, não utilizá-lo, mesmo que racionalmente e de modo planejado. “Na conservação, precisamos entender qual o sistema adequado para cada uma das áreas. Na preservação, estamos falando principalmente de serviços ambientais, dos quais, hoje, ainda não temos uma avaliação econômica muito clara”, afirmou.
Ele destacou a necessidade de levantar conhecimentos científicos suficientes sobre o Cerrado para que a conservação ocorra nas propriedades rurais do Bioma, que tem clima savânico, cerca de 1.600 mm de chuvas anuais em média, com períodos chuvoso e seco bem definidos.
“Quando se fala em serviços ambientais, que espécie vamos plantar? Quais serviços essa biodiversidade tem? Quais são os produtos mais expressivos dessa cadeia da sociobiodiversidade?”, questionou, citando potenciais produtos como fruteiras, mel, fitoterápicos, animais silvestres, plantas ornamentais, ecoturismo, artesanato, espécies madeireiras e serviços ambientais. “Isso tem que sair do potencial para o real”, afirmou.
O pesquisador lembrou a possibilidade de venda dos serviços ambientais nas APPs e ARLs, mas que é preciso compreender a distribuição das espécies para realizar o manejo dos ecossistemas. “Temos que estar juntos na venda dos produtos dessas 12 mil espécies do Cerrado e entender de quais delas há algum conhecimento que possamos estimular no momento da recomposição desses ambientes”, comentou, destacando que informações e conhecimentos sobre 200 espécies florestais, 100 de savana e 50 campestres já estão disponíveis no WebAmbiente. A plataforma auxilia na tomada de decisão quanto à adequação ambiental da propriedade rural de modo a atender à legislação e proporcionar retorno financeiro ao produtor.
Ele citou exemplos de espécies nativas como baru, pequi, buriti, maracujá silvestre (BRS Pérola do Cerrado), butiá, e mangaba, que já são exploradas comercialmente por empreendedores como Clóvis de Almeida, proprietário da marca de Frutos do Brasil, que comercializa sorvetes e picolés de diversos sabores da biodiversidade do Cerrado. Segundo análise econômica das atividades da propriedade de Clóvis, os lucros com a produção de mangaba e de murici foram superiores ao da pecuária leiteira. Ribeiro ponderou, por outro lado, que é necessário haver mercado consumidor para esses produtos. “Temos que formar o consumidor e criar valor, senão estaremos falando de folclore”, disse.
Em seguida, o pesquisador lançou a pergunta: onde fazer a conservação da biodiversidade do Cerrado? Ele lembrou que 100% das classes de solo do Bioma estão relacionados a um tipo de vegetação. “Se há disputa pelo espaço com a agricultura, obviamente essa vegetação vai sumir. Então, como fazer esse tipo de agricultura de espécies nativas nos ambientes onde está sendo solicitada essa informação e trazer lucro? Como fazer para que o desafio do Novo Código Florestal possibilite essa convivência e conservação?”, disse, retomando o questionamento sobre o que, como e onde plantar.
Além de contar com informações sobre cerca de 350 espécies para o Cerrado, o WebAmbiente disponibiliza estratégias de plantio e permite a realização de simulações de recomposição ambiental para as propriedades rurais em atendimento à nova legislação ambiental. O Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) contempla quatro alternativas de recomposição: condução de regeneração natural de espécies nativas; plantio de espécies nativas; plantio de espécies nativas conjugado com a condução da regeneração natural de espécies nativas; e plantio intercalado de espécies lenhosas perenes ou de ciclo longo exóticas com nativas de ocorrência regional.
“Cada estratégia tem um custo. Temos que entender as condições do ambiente para saber se ele permite a regeneração natural ou se é preciso algum trabalho mecânico de plantio”, observou Ribeiro. Ele também ressaltou a necessidade de compreensão da relação entre os processos de regeneração natural e plantio de espécies, da intensidade da pressão humana, das condições da área, se está perturbada ou alterada ou degradada, e das condições de regeneração natural.
“Não adianta o produtor prometer o Projeto de Recomposição de Áreas Degradadas ou Alteradas (PRADA) se a área estiver muito degradada. Precisamos entender a situação para buscar os fatores de degradação que estão ocorrendo e começar a consertá-los para então escolher o método de regeneração e as técnicas de plantio”, explicou, ressaltando a grande quantidade de profissionais, projetos e informações envolvidos no WebAmbiente.
“Só vamos fazer gestão ambiental com conservação da biodiversidade, da água com o protagonismo do produtor. Temos a expectativa de ter todos os atores envolvidos”, finalizou.