Luciano Pizzatto (*)
Para qualquer técnico ou interessado na área, a notícia de que a primeira década deste século será marcada pela falta de matéria prima para as indústrias de base florestal – ocasionada, principalmente, pela estagnação dos plantios e inexistência de uma política florestal – não é nenhuma novidade. Eu mesmo escrevi sobre o tema na década de 80, numa tentativa de amenizar esta crise.
Apesar dos alertas vindos de todos os lados, a lógica e o conhecimento esbarraram na burocracia que, infelizmente, controla a política florestal brasileira. O fato foi muito agravado pela insensibilidade e, principalmente, pelo embate ideológico dos que confundem grandes empresas e seus grandes plantios, com a bandeira do latifúndio e da xenofobia contra as espécies exóticas como o Pinus e o Eucaliptus.
Todo esse processo burocrático imposto pelos que controlam a política florestal brasileira afetou também os grandes, mas que com seu poder natural vão conseguir enfrentar o apagão florestal – seja com a diminuição da produtividade, com a transferência para outras regiões como o Chile ou porque conseguiram manter áreas de reflorestamento contra todas as pressões possíveis.
Como sempre, a corda arrebenta do lado mais fraco. Seguindo essa lógica, a tragédia verdadeira será para milhares de pequenas e micro-empresas – as ditas serrarias de fundo de quintal, os empresários familiares, empreiteiros, prestadores de serviço e toda uma gama de trabalhadores – que vivem do processo de corte, transporte e industrialização primária do setor.
Milhões de pessoas! Em toda sua cadeia e com seus familiares. Não só algumas centenas, o que já seria triste.
E agora? Pensamos em recuperar o tempo, o que será ótimo para o futuro, mas a biologia ainda não nos permite transformar seres de recém-nascidos em adultos, ou mudas recém-plantadas em árvores prontas para o corte, ignorando os vários anos necessários para que a planta atinja a idade adulta. Também ainda não descobrimos sementes ou mudas mágicas como a do clássico infantil João e o Pé de Feijão, de Grimm Jacob.
Mesmo frente a este quadro, o problema social continua em segundo plano. Afinal, para as lideranças do país, o que realmente importa é a economia e a ecologia. De um lado, os prejuízos e perdas com produção, exportação e arrecadação. Do outro, denúncias da biocontaminação, dos desertos verdes, de toda forma de restrições ao reflorestamento e outros slogans conhecidos.
Mas e o homem? O equilíbrio entre o econômico, o ecológico e o social? Os três pontos fundamentais do tão falado “desenvolvimento sustentável” onde ficam? Quem vai manter estas pessoas que vivem, em sua maioria, um pouco acima da linha da pobreza, moradores do campo, dependentes desta única fonte de emprego? Onde está a ação pública (e porque não privada) que ainda não se preparou para esta tragédia social, que se iniciará ainda no final deste Governo?
Precisamos rapidamente parar com a hipocrisia do discurso de descentralização, de fomento e estímulo ao setor florestal. É preciso, realmente, que este processo se materialize, permitindo às pessoas que plantem sem burocracia, sem mais papéis, planos, estudos e outras barreiras técnicas – claro, respeitando os limites ambientais gerais. Este trâmite precisa passar por um processo de desburocratização, o que não significa transformar a situação em uma liberalidade, onde cada um faz o que bem entende.
Temos que encontrar um mecanismo de manutenção do nível de emprego atual durante o período de falta da matéria prima florestal. Isto pode ser feito com um inteligente programa de compensação interno entre regiões e de integração modal, ou com a importação temporária de toras de áreas factíveis, como o norte da Argentina.
É necessário gerar a desoneração do emprego florestal, tanto tributária como burocrática, para compensar sua manutenção com a elevação do custo da matéria prima. Além disso, desestimular processos de substituição como a mecanização ou a simples paralisação das pequenas e micro-empresas.
O apagão florestal é resultado da mais absoluta irresponsabilidade frente ao que sabíamos, a ciência e o argumento da sustentabilidade, que se tornou insustentável. Por isso, precisamos imediatamente de uma ação para amenizar esta tragédia florestal, pois o tempo de impedi-la já passou, mas o tempo de não mantê-la por longo prazo é agora.
Um exemplo recente da tentativa de vencer os obstáculos da burocracia, é a recente IN 08, da Ministra Marina Silva, publicado pelo Ministério do Meio Ambiente neste último dia 24 de agosto, onde de um lado regulamenta o corte de florestas plantadas nativas, e aumenta os cuidados com as espécies protegidas, e do outro, após décadas, regulamenta o Art. 12 do Código Florestal Brasileiro, deixando claro que o corte de florestas plantadas com espécies exóticas ficam isentos os procedimentos de
informação.
Com esta atitude, equiparando a cultura agrícola florestal a outras como o feijão, a soja, e o o boi, onde o controle fiscal e de transporte é feito pela nota fiscal, sem nenhuma outra burocracia, o setor poderá ter um grande estímulo junto aos produtores rurais, além da disposição da mesma IN de desregulamentar o plantio em áreas que não sejam protegidas.
Se a burocracia de plantão não complicar, este simples artigo de duas linhas poderá gerar um grande avanço para contribuir na solução futura de estímulo e fomento ao reflorestamento, tratando estas culturas da mesma forma das demais práticas agrícolas.
Luciano Pizzatto, Eng. Florestal, Empresário do setor, Diretor de Parques Nacionais e Reservas do IBDF/IBAMA 88/89, Deputado de 1989/2003, detentor do Prêmio Nacional de Ecologia.
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