As florestas de araucárias, o Pinheiro do Paraná, uma das duas únicas espécies de coníferas nativas do nosso país, estão novamente na berlinda, com a justa preocupação pela sua drástica redução da cobertura original, que se estendia do Rio Grande do Sul até a transição de Minas Gerais.
Sua desconsideração como espécie relevante e ecossistema único chegou ao ponto até mesmo de ser extinto desta categoria, e chamado genericamente de Mata Atlântica, contrariando a maioria dos pesquisadores e a história natural do país, e atendendo a militância e outros interesses.
Para alguns, sou suspeito para falar do tema, já que sou madeireiro de quarta geração, ou até mesmo um tipo de ecologista de motoserra, como li a algum tempo. Para outros, e para mim particularmente, sei que minha família, e mais 500 famílias de funcionários, vivemos a 85 anos, em uma mesma empresa, manejando as mesmas propriedades, com 60% de cobertura florestal de Araucárias, áreas certificadas pelo FSC, Planos de Manejo com relatórios de auditoria externa independente a vários anos, detentor de várias premiações incluindo o Primeiro Prêmio Nacional de Ecologia/86, 5 teses de doutorado avaliando o manejo executado, e alguns outros detalhes compensadores.
Mesmo assim, esta Empresa e áreas florestais – como algo em funcionamento – jamais tiveram a honra de serem visitadas formalmente por técnicos do MMA ou IBAMA, para especificamente verificarem o que de bom ou de ruim já foi feito. Não para multar ou fiscalizar, só tentar aprender – mas esta é outra história.
A verdade, é que com a experiência e o resultado conseguido até hoje, não tenho dúvidas de que a situação da Araucária como espécie econômica é muito ruim, e que sua sustentabilidade vem diminuindo a cada ano.
Lendo uma palestra do meu bisavô, no primeiro Congresso Florestal Brasileiro, em Curitiba (PR), lá pelos idos de 1952, sinto como se estivesse lendo um relatório recém publicado. O tema é recorrente: falta de política florestal, descaso público, avanço da fronteira agrícola, necessidade de plantar e estímulo aos que conservam as florestas de Araucária.
Fui diretor de Parques Nacionais e Reservas do IBDF/IBAMA em 88/89, e o mesmo tema era discutido, com a agravante que desde o Instituto Nacional do Pinho, que antecedeu o IBDF, o setor produtivo já pagava taxas ao Governo com a finalidade de que fossem plantadas Araucárias, e hoje, em Pleno 2004, as mesmas taxas, chamadas de reposição florestal ou outros adjetivos, se perdem na burocracia, custeio, e o reflorestamento continua um detalhe esquecido.
Nas mesmas memórias, encontrei um mapa de 1948, onde no Estado do Paraná estava demarcada toda a região centro-sul como já explorada pela Indústria Madeireira, e o restante do Paraná como florestas de Araucárias inexploradas. Hoje, o lugar que restam florestas remanescentes de Araucária é exatamente onde se indicava sua já exploração em 48, e o restante onde estavam intocadas é hoje o grande e necessário pólo agropecuário do Estado.
Além da experiência como empresário e engenheiro florestal, fiz várias campanhas no início da vida pública, onde distribuí em algumas cidades, incluindo Curitiba, algumas mudinhas de Araucária, algo como 1 milhão de árvores em cinco campanhas. Uma delas foi plantada pelo meu sogro em seu jardim, e há alguns anos, quando ela completava a jovem idade de 17/18 anos ele me serviu Pinhões (sementes da Araucária) colhidos desta árvore, ou seja, a vida se renovava, com os filhos da árvore plantada, em menos de vinte anos.
Uma breve observação: não estou nem defendendo nem acusando ninguém, apenas registrando alguns fatos ….
Quando o sucesso do Manejo Ambiental desenvolvido na década de 70/80 foi reconhecido com várias premiações e divulgação, conceitos como o da interação flora/fauna, de corredores de biodivesidade, da quebra da homogeneidade dos reflorestamentos com exóticas através da manutenção de nativas em baixo grau em seu interior, e outras atividades hoje usuais, começaram a se expandir em todo país e em especial no nosso município de Gal. Carneiro – PR, e a maioria
das propriedades passaram a manter Araucárias, com a certeza de ser uma boa atitude e um bom negócio.
Mas a diminuição dos remanescentes produtivos continuou, e por diversos motivos, a tese do imobilismo venceu, quando a mais de dois anos foi suspenso o corte desta espécie, para que as autoridades definissem uma política de seu uso racional (prazo de 1 ano não cumprido) e a fiscalização e ações duras foram implementadas contra os “criminosos” que cortam uma espécie em extinção.
Qual extinção? Como espécie, não creio e nem os geneticistas que consultei. Como espécie econômica relevante. Talvez sim, por sua substituição em 95% do mercado com o Pinus spp.
E a decisão. Melhorou a grave situação da espécie. Não! A mais singela avaliação demonstra que destruímos o conceito de sustentabilidade, dando proteção integral e ênfase à função ecológica, e tentando suspender, mesmo que momentaneamente, as funções econômicas e sociais.
As áreas do nosso exemplo do Município de General Carneiro, passaram a ser citadas como um dos municípios de maior desmatamento nos últimos 2 anos, se contrapondo a relativa conservação dos últimos 20 anos. Em qualquer município da região centro-sul do Paraná e norte de Santa Catarina, a Araucária é sinônimo de “arvore maldita” (que injustiça!). Se algumas árvores adultas são mantidas sob a força do Estado, do Ministério Público, de ONGs e alguns entusiastas, qualquer mudinha que se regenerar rapidamente está sendo arrancada. O argumento: como posso deixar nascer um problema na minha vida.
Um argumento revoltante para alguns, mas lógico e natural para aquele que pensa ou foi induzido a pensar que se aquela mudinha de Araucária crescer ele não poderá mais cortar nem usar seu pedaço de terra a boa atitude virou um mau negócio. Nem sabe que alguém apenas suspendeu o manejo da espécie para procurar ou pensar em uma solução, pois o que é divulgado é que está tudo proibido, fim da espécie, mega-operações com força policial, e outras manchetes.
É isto que gera a intocabilidade. Um modelo não sustentável. História já vivida por Estados como o Rio Grande do Sul que por lei estadual proibiu o corte de árvores na década de oitenta, e conseguiu desestabilizar todo o sistema, até ter que revogar uma lei idealista, mas inaplicável.
Interessante é que com o dinheiro que foi gasto na última operação de fiscalização conjunta da Araucária de Santa Catarina e Paraná, daria para produzir e fomentar o plantio de mais milhões de árvores. Dezenas de vezes mais do que o necessário para garantir a espécie. Poderiam até ser plantadas em campanhas nos milhares de quilômetros de margens das rodovias dos Estados de sua distribuição natural, formando um imenso tecido de distribuição de suas sementes, em pouco tempo.
Mas não. Deixamos de fazer o óbvio. Valorizar uma espécie, estimular seu fácil plantio, criar unidades de conservação representativas, manter um banco de germoplasma em várias localidades, para simplesmente dizer: parem tudo por uns anos enquanto pensamos, sem lembrar que a vida não pára.
Espero poder continuar a manejar esta espécie. Cortar bem menos que o incremento natural da floresta e com este recurso cuidar e proteger os remanescentes, gerar empregos, manter a fauna e flora acompanhante, permitir que mais 4 ou 40 gerações da minha família e das 500 famílias que trabalham na nossa indústria florestal também vivam.
E se o exemplo que já funciona não serve, então digam o que fazer, menos dizer: pare tudo e não viva enquanto não sabemos (e não aceitamos ver o que você já fez).
Mesmo assim, plante árvores. Plante florestas produtivas intercaladas com reservas de nativas e áreas de preservação. Plante Araucárias. A razão demora mas vence.
Luciano Pizzatto, Eng. Florestal, Empresário do setor, Diretor de Parques
Nacionais e Reservas do IBDF/IBAMA 88/89, Deputado de 1989/2003, detentor do Prêmio Nacional de Ecologia.
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