Luciano Pizzatto (*)
Tive muita sorte em poder viver a experiência dos conflitos ambientais por vários lados. No exercício da minha profissão de engenheiro florestal, onde desenvolvi o conceito de manejo ambiental na década de 70 e 80, como empresário madeireiro, atuando como funcionário público na função de Diretor de Parques Nacionais e Reservas Equivalentes, do ex-IBDF e IBAMA, ao longo de doze anos de mandato como deputado Federal – onde tive a honra de ter sido oito vezes vice -presidente da Comissão de Meio Ambiente, presidente da Frente Parlamentar Ambientalista e relator de leis como a de Crimes Ambientais, Estatuto do Índio e do texto aprovado de Ecossistemas Atlânticos (Mata Atlântica), na Câmara Federal.
Já criei ou ajudei a criar sete Parques Nacionais e cinco Estações Ecológicas. Ainda posso citar a criação da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) das Araucárias, além do fomento e plantio de 100 mil Araucárias por ano – prevendo o manejo com o corte de árvores dessa área que é cuidada há 87 anos.
Pessoalmente só posso agradecer por tudo que me foi consentido conseguir. Sei que o mais fácil e o melhor fisiologicamente para minha carreira seria afirmar que consegui ser diferente como empresário, atacando os outros “madeireiros”, que são fáceis e visíveis alvos de tudo de ruim que acontece às nossas florestas. Mas, infelizmente, não consigo ir contra a razão e os fatos que aprendi, vivo e facilmente podem ser avaliados. Porém, este jeito de agir custa caro. Lembro do relatório do competente deputado Federal, Gilney Viana (PT), sobre as madeireiras asiáticas. Em um dos capítulos, sua análise observa que a necessidade premente e de miséria dos pequenos agricultores é um dos fatores de maior pressão do desmatamento da Amazônia.
Apenas uma constatação – sem tentar desculpar os grandes por seus erros, nem acusar os pequenos pela sua necessidade. O deputado petista constatou, indicou o problema e sua necessidade de solução, sendo duramente criticado, inclusive, por membros de seu partido. Imagino o meu julgamento, já que sou do próprio setor. Porém, pensar é uma obrigação e demonstrar os fatos é o meio salutar de resgatar a dignidade de toda uma Nação. Então, vamos aos madeireiros. Sempre os classifiquei em dois grandes grupos. Os serradores: que acompanham a fronteira agrícola, abrindo as matas e retirando o que for possível ou tem valor, sem o menor planejamento, deixando que, posteriormente, a área seja utilizada para outros usos como a agropecuária, colonização, mineração ou até mesmo os lagos de hidroelétricas. Os madeireiros: que tentam seguir a legislação – por mais irracional que essa possa ser, em especial no âmbito de sua regulamentação e controle – e tentam implantar áreas de Manejo para Rendimento Sustentado de diversas formas, “como fazendeiros florestais”, também cometendo erros e acertos. Muitas vezes esses madeireiros aproveitam parte do produto fornecido pelos serradores, o que coopera para que sejam confundidos com eles.
Os serradores também causam danos ao setor florestal, pois inviabilizam a existência de um estoque futuro de madeira e aviltam o preço dos estoques atuais. São a cunha do desmatamento, mas, mesmo assim, não são o desmatamento de fato. E por que não? Já que as cenas mostram as árvores sendo derrubadas, arrastadas, levadas ao rio em jangadas, etc? Por uma razão simples: não são burros, na sua ótica, e querem ganhar dinheiro. Entram na floresta, de maneira atabalhoada, escolhem as melhores árvores, cortam, arrastam e vão embora. Nesta operação, podem usar propriedades legalizadas, grilar terras, invadir reservas, parques, etc. Este é o grave problema dos serradores – os nossos “gafanhotos florestais”. Mas o desmatamento efetivo, o fogo e a substituição da floresta por outro tipo de cobertura não são feitos por eles, pois custam dinheiro e não têm nenhuma utilidade para a exploração florestal. Derrubar a mata, usar tratores, correntões ou fogo só é necessário para outras atividades que não sejam madeireiras e precisam do uso direto do solo – pois essas práticas, no mínimo, estragariam as preciosas toras!
Portanto, temos que separar a exploração equivocada e seus graves erros do seu vínculo de permitir o acesso de outras atividades. Pois são estas as devastadoras da floresta e essa necessidade merece um artigo específico para análise e defesa. Lembrando que, mesmo uma floresta mal explorada quando é abandonada regenera-se, transformando-se em uma nova floresta em poucos anos, ou em um piscar de décadas. Fato conhecido e avaliado – com exemplos de milhares de casos atuais ou de séculos atrás. Agregam problemas de diminuição momentânea de diversidade, dificuldades para a fauna, entre outros, mas tudo conhecido e superável, com menor ou maior dificuldade.
O outro grupo (os que foram, são e querem continuar sendo madeireiros) deseja algo simples: poder trabalhar e ter tempo para conviver em uma atividade que precisa de estabilidade por décadas ou séculos! E o que vemos? Enquanto o Governo pensa em como normatizar o uso da Floresta Atlântica, o manejo em todo Sul e Sudeste do Brasil está “suspenso” há três anos por uma resolução do CONAMA, inclusive àqueles certificados pelo FSC. Sem manejo legalizado, só existe a ilegalidade ou a determinação da Justiça para exceções. E quem fazia o manejo deve ficar “suspenso” – assim como seus milhares de empregos – esperando, esperando, esperando… No Norte, os Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) estão, na sua maioria, em operação. Porém, já sofreram suspensões localizadas e para algumas espécies generalizadas. Resultado: desconfiança e descrédito em investir a longo prazo. Os reflorestamentos, que são fundamentais para o equilíbrio entre o volume necessário de biomassa e os estoques de florestas naturais, vêm sendo combatidos com “barreiras técnicas” e uma tecnocracia inacreditável.
Até a histórica Instrução Normativa número 08, da Ministra Marina Silva, regulamentando, após cerca de 30 anos, o artigo 12 do Código Florestal – de que árvores plantadas sem vinculação a reposição são livres de corte – é descumprida, inclusive, em estados como o Paraná. Espécies como o Pinus e Eucaliptus são listadas como “biocontaminantes” graves e perigosos – mesmo não sendo esta a verdade e ocupando apenas cerca de 0,8% do território brasileiro.
A madeira plantada, apesar de ser o melhor investimento atual, não é adotada pela maioria dos investidores em função de uma série de barreiras, como normas, projetos, levantamentos, licenças, entre outras. Especulação financeira é melhor e garantida pelo governo. Resultado: “Apagão Florestal”. Nos próximos anos, período que já se iniciou, a madeira plantada vai faltar e teremos até de importar. Os grandes vão sobreviver e os pequenos vão entrar em um caos social (artigo sobre o “Apagão Florestal”). Os Engenheiros Florestais sentem no coração a vontade de até rasgar seus diplomas. Não podem exercer o livre direito à profissão, garantido na constituição, pois só podem fazer o que os órgãos ambientais determinam e aprovam, em todos os detalhes, rasgando a ciência e a capacidade de engenhar. Ou ainda determinando os PMFS com ciclos de 1 ou 2 anos, quando deveriam ter o mesmo período operacional da espécie manejada de décadas, o que mais uma vez ignora a ciência e a capacidade de engenhar.
Sempre pensei que deveria seguir padrões e limites regulatórios, mas depois poder entrar em uma floresta, com o menor dano possível, encontrar e decidir caso a caso os espécimes que podem ser cortados, gradativamente fazer sua colheita e, assim, garantir que a floresta se regenere. Mas, colocar plaquinhas em censos antecipados em todas as árvores que futuramente serão cortadas parece mais correto perante a opinião pública. Dá uma sensação de que o Governo está controlando alguma coisa… Empregos: nem falar. Para este calculo uso o exemplo da nossa família que, em cerca de 8.000 hectares, cuidados há 87 anos, que tem aproximadamente 70% de cobertura com floresta nativa, gera cerca de 700 empregos diretos. O equivalente a um emprego – com carteira assinada, assistência social a uma família, casa, água e luz para a maioria – a cada 11,5 hectares de terras de baixa qualidade, com exclusiva vocação florestal, manejadas. Essa área representa ainda 40% de toda arrecadação do município.
Nos jornais do dia 2 de janeiro de 2004, a relação de assentamentos gera no Paraná, em terras de boa qualidade e ao custo de milhões, um assentado e sua família a cada 27 hectares, necessitando de grandes investimentos públicos – além de serem locados em sua maioria sobre reservas florestais nativas (!?). A pecuária, após a fazenda implantada, gera um emprego direto a cada 200 hectares ou, em algumas regiões, um emprego permanente para mais de 500 hectares. Em todos estes casos, não estou computando a grande geração de empregos de todo o ciclo das atividades, incluindo transporte do produto final, agroindústria, etc.
Muito menos menosprezando a importância de qualquer atividade, ou da relevância de projetos sociais como a Reforma Agrária. Nos mesmos jornais e dia, dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON) informaram que nos nove estados amazônicos as atividades madeireiras (das duas categorias que mencionei) movimentam quase 2.600 empresas com 350 mil empregos. Em uma breve análise, se os cerca de 2 milhões de ha/ano de desmatamento e fogo da Amazônia fossem só para a atividade madeireira (e não são), teríamos 5,7 hectares para cada emprego direto.
Para piorar, se considerássemos 25 anos de ciclo para as árvores renascerem (existem espécies comerciais na Amazônia que dão novo corte em 10 anos e outras precisam 50 anos), teríamos 50 milhões de hectares necessários para manter eternamente estes 350 mil empregos. Ou seja, 10% da Amazônia legal. Em um novo cálculo, com o manejo correto, colhendo apenas o que a floresta cresce (cerca de 2 metros cúbicos de madeira comercial por ha/ano), nesta mesma área de 50 milhões de hectares, poderíamos eternamente colher 100 milhões de metros cúbicos ao ano nestes 10% da Amazônia – se a área não fosse queimada e substituída por outros usos. Com isso, poderíamos ser um dos maiores produtores de madeira do mundo e, ainda, ajudar na diminuição do efeito estufa – este modelo já existe em florestas certificadas pelo Forest Stewardship Council (FSC) na Amazônia.
Os mesmos dados do IMAZON falam em 28 milhões de metros cúbicos, destes 55% cortados ilegalmente ou fruto de desmatamento, gerando empregos e riqueza de mais de 3,8 bilhões de dólares só de madeira sólida, em 2004 (sem contar que o mercado interno consome mais do que as exportações). Ou seja, poderíamos, no simples raciocínio acima, produzir quatro vezes mais exportações e quatro vezes mais empregos, além de impostos, receita para os órgãos ambientais, riqueza, justiça social, etc. Isso, se realmente quiséssemos ter manejo florestal.
Claro, o número não é tão simples assim, envolve dificuldades complexas de zoneamento, entre outros pontos, e estou usando informações aproximadas, mas que podem ser calculadas com maior exatidão junto a dados oficiais exatos. Mesmo assim, apenas para pensar, caso o meu Paraná se preocupasse em atuar só na recuperação das Reservas Legais seria possível ter 20% do estado com florestas nativas manejáveis. Assim, teríamos 4 milhões de hectares disponíveis para fornecer mais de 10 milhões de metros cúbicos de madeira por ano (levando em conta o crescimento no Paraná de 2,5 metros cúbicos ha/ano), incluindo madeira de espécies como a Araucária e outras árvores importantes.
Além disto, se permitíssemos que o Paraná tivesse reflorestado míseros 5% de uso de áreas não agriculturáveis, teríamos condições de plantar 1 milhão de hectares (mal temos 500 mil), que com 30 m3/ha/ano – reflorestamentos crescem bem mais do que a mata nativa –, permitira gerar riqueza e empregos, além de fixar o homem no campo e cidades do interior, com estoques disponíveis de 30 milhões de metros cúbicos por ano eternamente para corte, fixação de carbono e ciclos perenes. Desculpem meus colegas ecologistas, mas como o espaço é curto, nem entrei nos detalhes da recuperação das Áreas de Preservação Permanente, da criação de mais Unidades de Conservação, da regularização fundiária das atuais, dos corredores da biodiversidade, etc, etc. Pois creio que só os dados econômicos e conseqüências sociais servem para demonstrar que temos de mudar a postura e a maneira de informar nossa sociedade sobre o que são os madeireiros e o setor florestal, incluindo papel e celulose ou, no mínimo, conquistá-los para complementar o trabalho socioambiental.
E, para não parecer moderno, meu bisavô escreveu algo semelhante em 1952 no 1.º Congresso Florestal Brasileiro e eu escrevi sobre o tema já entre 1979 e 1980. Além disso, milhares alertam a mesma coisa todos os dias. Com a execução do manejo florestal adequado, temos todas as condições para ser os maiores bioprodutores do Planeta com uma solução de biomassa e fixação de carbono. Mas, neste caminho que se optou por seguir, mantendo o confronto ideológico e a tentativa de rotular segmentos de forma generalizada, vamos importar madeira, continuar a estimular o desmatamento irracional e aumentar as favelas.
(*) Descendente de quatro gerações de madeireiros, conseguiu quebrar paradigmas, recebendo o 1.º Prêmio Nacional de Ecologia-CNPQ/Fundação Roberto Marinho. O ex-diretor de Parques Nacionais do Brasil e ex-deputado Federal analisa neste artigo as incongruências da atual discussão impensada que é feita sobre os madeireiros.