Há cerca de dez anos, quando o conceito de ecoturismo ainda ganhava forças, quem visitava a região do Alto do Maruai, em Roraima, provavelmente ficava surpreso ao deparar-se com manadas de cavalos correndo livres pelo lavrado, uma imagem decerto inesquecível. Em função da ocorrência desses animais ser predominantemente nesse ecossistema, a raça recebeu o nome de “cavalo lavradeiro”.
Os estudos efetuados pelo veterinário Ramayana Menezes Braga, supervisor de Comunicação e Negócios da Embrapa em Roraima, revelam que a hipótese mais provável para a origem dos lavradeiros seria a de que eles descendem de animais introduzidos por colonizadores espanhóis e/ou portugueses há mais de 200 anos, pertencendo ao mesmo tronco das raças Andaluz e Garrano ou Minho.
Os lavradeiros eram domésticos, a serviço dos fazendeiros da região, que os cruzavam com animais de outras raças e os utilizavam na lida com o gado. Porém, a partir da demarcação da reserva indígena de São Marcos, no município de Pacaraima, em 1991, eles foram se desgarrando dos locais onde tinham esse contato com seres humanos e passaram a viver totalmente incorporados à natureza. Daí veio a denominação de “cavalos selvagens”, disseminada posteriormente mais como instrumento de marketing para o ecoturismo – já que eles só existem em Roraima – do que com critérios científicos.
“São cavalos ágeis, velozes, resistentes e inteligentes, o que os torna ainda mais valiosos como raça a ser preservada”, diz o pesquisador que, nos últimos quinze anos, acompanha os remanescentes. Ele supervisiona o trabalho desenvolvido pela Embrapa, desde o início dos anos 90, para a conservação in-situ e ex-situ do germoplasma dos cavalos lavradeiros, visando atender futuros programas de melhoramento genético.
Ramayana Braga estima existirem hoje cerca de 2000 indivíduos que guardam todas as características fenotípicas da raça (veja no fim da matéria), sendo que, deste total, aproximadamente 1.500 estão soltos nas áreas indígenas. “Eles voltaram a se reproduzir na condição selvagem”, informa. Curiosamente, são extremamente dóceis depois de domados, a ponto de dispensarem o bridão quando em serviço.
O fascínio científico exercido pelo cavalo lavradeiro está em sua capacidade de adaptar-se a solos de baixa fertilidade natural e cobertura vegetal de gramíneas que apresentam reduzido valor nutritivo. Essa sobriedade alimentar não impede, porém, que a raça apresente altas taxas de fertilidade e natalidade. Segundo os estudos de Ramayana Braga, nasce praticamente uma cria por ano, o que representa quase 100%, enquanto o normal entre os eqüídeos, atualmente, é de 48% em média. Além disso, o lavradeiro tem tolerância à anemia infecciosa eqüina – AIE -, sem apresentar o menor sintoma da doença.
Apesar dessas qualidades, o interesse comercial na raça é pouco expressivo, o que dificulta também a obtenção de verbas para a Embrapa aprimorar suas pesquisas. “Trabalhamos com recursos próprios”, diz Ramayana, atestando os obstáculos em efetivar parcerias.
Na unidade do Ibama em Roraima não há hoje qualquer trabalho específico para a proteção dos cavalos lavradeiros em seu estado selvagem. Segundo o analista ambiental José Ponciano Dias Filho, chefe do Parque Nacional do Monte Roraima, há cerca de dez anos o órgão recebeu a denúncia de que animais estavam sendo capturados, para posterior doma. O Ibama montou uma operação para fiscalizar a área e conseguiu soltar os que encontrou nessa situação.
Características Fenotípicas do Cavalo Lavradeiro:
Altura média da cernelha: 140 cm;
Pelagens: castanha, tordilha, rosilha, alazã e baia, com predominância das duas primeiras;
Orelhas: Pequenas e médias;
Pescoço: Reto e largo;
Crinas: Grossas e abundantes;
Comprimento dorso-lombar: curto;
Garupa: inclinada;
Aprumos dos membros anteriores: regulares e bons;
Aprumos os membros posteriores: regulares;
Cores dos cascos: pretos e rajados;
Tamanho dos cascos: pequenos;
Peso médio: 280 Kg (a campo).