Mônica Pinto / Ambiente Brasil
Dissecar animais vivos, em nome de uma suposta obtenção de conhecimentos científicos, é um procedimento justificável? Um sonoro “não” será a resposta de ativistas do Brasil e da América do Sul, de entidades ecológicas e de associações mundiais cujos representantes vão participar, no próximo domingo, de um manifesto contra a vivissecção animal. O evento está programado para as 10h, em São Paulo, precisamente na Avenida Paulista, esquina com a rua Ministro Rocha Azevedo.
A expectativa é que o protesto reúna um público significativo, sobretudo diante das adesões de pelo menos 30 entidades do terceiro setor voltadas para a proteção animal e do apoio de três entidades internacionais – People for Ethical Treatment of Animals – PETA -, Word Society of Protection Animal – WSPA – e Associação Nortenha de Intervenção no Mundo Animal, de Portugal.
Outro atrativo para o evento é a presença confirmada do campeão olímpico de Judô, Aurélio Miguel, hoje vereador de São Paulo, e do ator Cláudio Cavalcanti, também vereador, no Rio de Janeiro. Ambos os parlamentares, ídolos em suas esferas de atuação iniciais, têm no currículo de ações políticas várias intervenções em defesa da fauna.
Aurélio Miguel conseguiu derrubar o veto do prefeito José Serra ao projeto de lei que proíbe a apresentação de animais nos circos que passem pela cidade de São Paulo. Cláudio Cavalcanti é autor de diversos projetos de lei, aprovados e sancionados, entre os quais o que regulamenta o uso de animais de tração; o que proíbe circos com animais, rodeios e vaquejadas; o que proíbe a ablação parcial ou total de cordas vocais em cães; o que proíbe o extermínio de animais abandonados e o que proíbe rinhas de cães no Rio de Janeiro.
De passagem por São Paulo, em turnê do espetáculo teatral em que trabalha atualmente, Cláudio Cavalcanti confirmou presença no evento, inclusive comprometendo-se com seu organizador, Fábio Paiva, a divulgá-lo no final das apresentações de hoje, sexta, e de sábado, convidando o público a aderir. “Para a platéia de domingo, falarei sobre a nossa causa e os nossos objetivos”, antecipou o ator/vereador, por e-mail.
O protesto contra a vivissecção animal foi concebido por Fábio Paiva, moderador do grupo “Holocausto Animal”, que promove debates pela internet. A idéia nasceu no mês de abril, em uma outra manifestação na avenida Paulista, desta vez contra a novela “América” e o glamour que imprime ao mercado de rodeios – “entretenimento” condenado por todas as entidades de proteção animal, em função das crueldades a que são sujeitos touros, bezerros e cavalos nesses espaços. “Nossos objetivos foram alcançados: a novela América é um fracasso de audiência”, diz Paiva.
Segundo ele, nessa manifestação, recebeu a denúncia de um aluno de Medicina, segundo a qual eram mortos, todas as sextas-feiras, de seis a oito cães na instituição onde estudava, durante aulas de anatomia. Fábio Paiva resolveu investigar e não só confirmou a matança, como descobriu que os cães vinham do município interiorano de Araraquara. Isso porque, na cidade de São Paulo, foi aprovada uma lei proibindo o Centro de Controle de Zoonoses de destinar animais recolhidos nas ruas às instituições de ensino que os usam como cobaias nas aulas.
No decorrer dessa investigação, Fábio Paiva recebeu outra denúncia: uma pessoa contou a ele que passava por uma instituição de renome, em São Paulo, quando percebeu movimentos em um saco de lixo. Abriu-o e deparou-se com um cão, cujo crânio estava aberto. Dado como morto, o animal, nesse estado, voltava da anestesia. Em julho de 2003, a mesma instituição já tinha sido alvo de um protesto por parte do grupo que, segundo Fábio Paiva, em uma só noite encontrou 17 cães ensacados, mortos. “Ainda estavam quentes, porque foram usados na aula noturna”, diz. Registre-se que, à parte da crueldade, as instituições a assim procederem desrespeitam as normas pertinentes aos resíduos de saúde, que demandam inclusive coleta especial.
“O homem precisa mudar seus conceitos”, prega Fábio Paiva, lembrando que, há 150 anos, muitos consideravam absolutamente normal e lícito escravizar, traficar, vender e até matar seres humanos, simplesmente em função de sua raça. O vereador Aurélio Miguel está colaborando com o grupo “Holocausto Animal” na elaboração de um projeto de lei – a ser encaminhado por algum parlamentar na esfera federal -, proibindo terminantemente a vivissecção.
No meio científico, também há reprovação
A vivissecção animal como instrumento didático nas Faculdades de Medicina e outras de áreas afins perde terreno rapidamente. Em todos os países civilizados, não só professores, mas também alunos, têm optado por lançar mão de possibilidades tecnológicas para obter conhecimentos em anatomia e em procedimentos cirúrgicos de modo geral.
O cirurgião norte-americano Jerry Vlasak, referência quando se fala no combate à vivissecção animal, tem um comentário lapidar sobre o tema, sempre reproduzido nos fóruns de debate: Os animais não somente são desnecessários e raramente usados na educação médica nos EUA, como a ausência da matança de indivíduos saudáveis propicia o ensino da compaixão e preocupação nos jovens médicos.
A bióloga Márcia Mocellin Raymundo, mestre em Ciências Biológicas com ênfase em Bioética, também considera a vivissecção um processo didático decadente. “Acho que falta um pouco de criatividade, de capacidade para romper paradigmas”, avalia. “Esse é um modelo muito antigo, que servia quando não tínhamos instrumentos multimídia”, diz ela, lembrando que a anatomia é uma só. Desta forma, simulações por computador e vídeos, por exemplo, são recursos eficientes para disseminar conhecimentos nesse campo, poupando os animais. Outra alternativa, segundo ela, é posta em prática em vários países da Europa: uma relação estreita entre fazendeiros e a comunidade acadêmica viabiliza que esta receba espécies para estudo que tiveram morte natural, no campo.
Fábio Paiva, por sua vez, registra as palavras da médica Patrícia Piccino Braga, enviadas ao grupo “Holocausto Animal” por e-mail: “Durante o Curso de Medicina, a única coisa que aprendi com os animais que eram usados em aula é que eles sofrem e morrem”.
Legislação associada:
São estabelecidas normas para a prática didático-científica da vivissecção de animais
É instituído o Código Estadual de Proteção aos Animais, no Estado do Paraná