Cultivo de hortas na cidade, uma prática pra lá de sustentável!

O cultivo de hortas nas cidades vem ganhando cada vez mais adeptos - seja para consumo próprio ou para compartilhar em espaços públicos. A prática, que além de redefinir a forma como pensamos sobre a cidade e o campo, traz benefícios para a alimentação e qualidade de vida urbana.

Colheita em horta urbana. Fonte: ArchDaily.

A criação de espaços para produção de alimentos nos centros urbanos, vem ganhando cada vez mais adeptos, sob a pegada da sustentabilidade, aliado a qualidade de vida, alimentação mais saudável, educação da população sobre a produção de alimentos e fortalecimento do consumo local.

O que não faltam são motivos, justificativas e possibilidades neste tipo de prática, mas, por que será que ela ainda é tão dispersa?

Bom, aposto que qualquer pessoa, principalmente que vive em regiões muito urbanizadas, se questionada sobre a possibilidade de ter um espaço no bairro onde vive para cultivo de alimentos, com incentivo a promoção da cultura do compartilhamento, da saúde e educação, dificilmente viria como algo negativo, certo?

Mas ainda assim, observa-se uma dificuldade de tornar essa prática algo cotidiano e com grande escala de abrangência, então, antes de irmos mais aos detalhes destas perguntas, vamos explicar conceitualmente como as hortas urbanas funcionam, mostrar iniciativas que já existem e desmistificar mitos sobre o tema!

Como as hortas urbanas funcionam?

As hortas urbanas, foram idealizadas com o objetivo de criar uma nova mentalidade na relação do espaço urbano, não se trata apenas da relação alimentar, mas da relação com o coletivo e com o espaço que habitamos.

Normalmente, as hortas são criadas por um grupo ou uma comunidade em terrenos baldios, com o objetivo de revitalizá-lo e proporcionar um novo significado para este local. Ou seja, têm-se a expectativa de que a área se torna comunitária, e que a comunidade engajada a preserve e cuide, trazendo um benefício mútuo.

Exemplo de horta comunitária em São Paulo. Fonte: TexPrima.

Além do propósito em si, deve-se planejar os cultivos a serem plantados, as características de cada espécie e a estrutura que será montada a horta.

As espécies dependem da condição climática do local onde a horta será instalada, mas, é comum encontrar hortaliças e vegetais como tomate, alface, rúcula, couve, espinafre, repolho, rabanete, beterraba, cenoura, dentre outros. O cultivo em si é priorizado na agricultura orgânica, trazendo qualidade e maior viabilização do projeto.

A estrutura da horta propriamente dita, depende do tamanho e características da área e da disponibilidade do grupo para realizar as manutenções e colheitas.

O terreno deve ser ensolarado, plano e com fácil acesso a água para irrigação, podendo-se pensar em compostos orgânicos para adubo e utilização de serapilheira (camada de folhas secas e galhos que caem das árvores) de áreas próximas, para ajudar na manutenção da umidade do solo.  É válido também, observar o histórico do local onde será instalado a horta, em especial para verificar se há alguma contaminação no solo, em casos de antigos postos de combustíveis ou indústrias, por exemplo, uma análise da qualidade do solo e da água torna-se essencial.

A seguir são citados, resumidamente, as principais etapas para estruturar uma horta comunitária:

1. Grupo Engajado: A vontade e desejo de realizar o projeto de uma horta comunitária é a base para que o projeto funcione de forma efetiva, encontre um grupo engajado, com vontade de realização e mãos à obra!

2 . Terreno e Projeto: Importante que seja feita uma análise prévia do terreno antes da definição, em especial o histórico prévio de ocupação daquele local, além disso, caso seja um espaço público é necessário verificar com a administração pública do município a necessidade de solicitar autorizações específicas para implantação do projeto pensado. Em termos da administração pública, estes espaços podem trazer novo significado de beleza cênica do local, bem como reduzir a ocorrência de terrenos abandonados, com potencial de criar mais espaços de interação sociocultural. Em relação as características físicas em si, a insolação, a ocorrência de ventos e a declividade são itens essenciais de verificação, normalmente as hortaliças por exemplo, necessitam de um número maior de horas com sol e com pouco vento.

3. Espécies e Insumos: Após a definição do terreno, é importante mensurar as espécies, materiais e insumos a serem utilizados. Normalmente, segue-se o conceito de agricultura orgânica, com a priorização de adubos orgânicos, evitando-se os industriais. Complementarmente, é comum serem utilizados plantas leguminosas, hortaliças e frutíferas, mas vai de acordo com o gosto e prioridades do projeto.

4. Colheita: As colheitas variam com as espécies plantadas mas é válido criar um ambiente de acompanhamento, de observação das espécies se desenvolvendo, de forma a tornar a colheita uma atividade em grupo.

5. Manutenção: Os principais itens a se observar da manutenção são a poda, o reforço de plantio caso necessário, e o enriquecimento do solo com serrapilheira e adubo, garantindo a boa qualidade do solo e bom desenvolvimento das plantas.

Exemplos de iniciativas pelo mundo

Há uma série de iniciativas pelo mundo quando falamos sobre hortas em cidades, seja com foco em tornar o local um mercado aberto comunitário, ou jardins para interação de crianças, de hortas em condomínios e bairros, dentre outros, aqui citaremos alguns casos que foram ponto de partida para engajamento e criação de novas iniciativas.

Como por exemplo em Berlim, onde moradores do bairro Neukölln organizaram um jardim colaborativo no terreno do antigo aeroporto Berlim-Tempelhof, com aproximadamente o tamanho da metade de um campo de futebol, onde foram plantadas centenas de espécies, atraindo atenção e apoio de uma organização de jardinagem comunitária.

Exemplo de horta comunitária no antigo aeroporto Berlim-Tempelho. Fonte: CascadeNoz.

No Japão, em Tóquio, foram construídos cinco pomares na cobertura de edifícios de estações de trem, com o objetivo principal de tornar a espera pelo trem mais agradável e com a possibilidade de, durante a espera, os passageiros possam aproveitar para semear alguma planta. A entrada é gratuita e aberta ao público geral também.

Exemplo de pomar na cobertura de uma estação de trem, no Japão. Fonte: Soradorfarm.

Um outro exemplo, já em maior escala, é na Inglaterra, onde existem mais de quarenta hortas coletivas espalhadas nos espaços públicos de toda a cidade de Todmorden. Os alimentos produzidos, pelos moradores e pela administração pública, estão disponíveis gratuitamente para a população local.

Exemplo hortas coletivas na Inglaterra. Fonte: Razão para Acreditar.

No Brasil, também existem iniciativas similares a estas, como por exemplo, o projeto da Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, que criou o projeto Hortas Cariocas, presente em comunidades e em redes municipais de ensino na cidade, com foco em criar hortas para reforçar a alimentação das famílias em risco social e comercialização para parceiros do projeto, servindo como fonte de renda das famílias.

Exemplo horta do projeto Hortas Cariocas. Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro.

Mitos sobre as hortas urbanas

Bom, agora que já entendemos as principais etapas para se construir uma horta e vimos exemplos pelo mundo que deram certo, voltamos a pergunta do início, por que é difícil encontrar mais casos de sucesso como estes, e ainda mais, como uma inclusão de cultura em nossos cotidianos? Existem alguns mitos, que podem dificultar que outras práticas se concretizem, como vemos a seguir.

Um dos mitos principais é que as hortas precisam de espaços muito grandes para existirem; mas na realidade, o espaço é dimensionado de acordo com o objetivo e projeto pensado, há exemplos, inclusive citado no artigo “Agrofloresta Urbana” aqui da revista onde uma varanda de apartamento foi utilizada como horta, ou seja, o tamanho vai depender do espaço disponível existente.

Além disso, o mito de que a manutenção das hortas é trabalhosa, exigindo muito tempo disponível da comunidade; pois bem, o grau de manutenção depende da quantidade e tipo de espécies plantadas, quanto mais espécies, maior o cuidado para que elas se desenvolvam e produzam. Mas tudo depende do objetivo, pode-se reduzir o número de espécies, utilizar plantas mais resistentes, mas o principal é a divisão de tarefas entre a comunidade para que todos participem e contribuam, vendo a atividade de manutenção como algo prazeroso.

Por fim, a ideia de que dificilmente uma horta comunitária permanecerá por muito tempo, sendo visto como algo temporário que depois será esquecido; todos os exemplos citados no tópico anterior são casos de sucesso duradouros, onde vem se criando relações de gerações com o espaço, gerando experiências ricas e diversas entre famílias, a durabilidade do projeto depende do engajamento, que é a base do passo a passo da criação das hortas comunitárias.

Então, imagine se começarmos em casa, no bairro onde moramos, e de repente, teremos a cidade inteira com espaços verdes, comestíveis e de integração!

Maria Beatriz Ayello Leite
Redação Ambientebrasil