O Prêmio Mundial de Alimentos de 2021 reconhece que os peixes são essenciais para reduzir a fome e a desnutrição

Peixes e outros alimentos aquáticos são essenciais para a dieta de mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo. A maioria dessas pessoas vive em países de baixa e média renda na África, Ásia e Pacífico, próximos a rios, lagos ou mar.

Nessas regiões, alimentos como peixes frescos e secos são fundamentais para a culinária local e geralmente são mais baratos ou mais disponíveis do que alternativas como ovos, laticínios e frutas. Esses “superalimentos aquáticos” têm uma influência descomunal como fontes ricas de micronutrientes essenciais para a saúde humana e o desenvolvimento cognitivo.

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No entanto, os alimentos aquáticos estão frequentemente à margem das principais pesquisas agrícolas, políticas de nutrição e estratégias de desenvolvimento. Tradicionalmente, os pensadores do desenvolvimento global têm se concentrado nas safras básicas e na pecuária como soluções para a fome.

Em 11 de maio de 2021, a Fundação do Prêmio Mundial de Alimentos anunciou que seu ganhador de 2021 é Shakuntala Haraksingh Thilsted, uma cientista da nutrição que, a meu ver, fez mais do que qualquer um para chamar a atenção para o papel essencial, mas muitas vezes esquecido, dos alimentos aquáticos em dietas saudáveis ​​e sustentáveis. Este prêmio de mais de R$ 1.300.000,00 é frequentemente referido como o Prêmio Nobel da alimentação e agricultura. Foi estabelecido por Norman Borlaug, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1970 por seu trabalho na agricultura global.

O prêmio deste ano reconhece as quatro décadas de trabalho de Thilsted para melhorar a nutrição e a saúde de milhões de crianças desnutridas e suas mães na Ásia e na África. Como um pesquisador de aquicultura que trabalha em estreita colaboração com Thilsted, acredito que este prêmio destaca a necessidade de priorizar peixes e alimentos aquáticos nas políticas e ações de nutrição, nacional e globalmente.

Uma vida aquática

Shakuntala Thilsted nasceu em Trinidad e Tobago, onde iniciou sua carreira inovadora como a única mulher empregada no Ministério da Agricultura, Terras e Pesca. Depois de se mudar para a Dinamarca, ela completou o doutorado na Universidade Royal Veterinary and Agricultural (Veterinária e Agrícola), onde mais tarde liderou o Departamento de Fisiologia Animal.

Mudando-se para Bangladesh no final dos anos 1980, Thilsted trabalhou no icddr, b, um instituto anteriormente conhecido como Centro Internacional para Pesquisa de Doenças Diarréicas, que tratava mais de 6.000 crianças desnutridas anualmente. Como uma jovem mãe de dois filhos, ela estava instintivamente preocupada com a saúde e nutrição infantil e começou a investigar medidas para prevenir a desnutrição usando alimentos disponíveis localmente e culturalmente aceitáveis.

O tempo extenso em campo projetando e implementando um programa de reabilitação nutricional permitiu que Thilsted entendesse quais alimentos as pessoas estavam comendo e como. Ouvir mulheres falando sobre a importância de comer peixes pequenos para uma boa saúde e visão despertou seu interesse por seu valor nutricional. Essa percepção forneceu o catalisador para as três décadas seguintes de sua carreira de pesquisa.

Ao retornar à Dinamarca, Thilsted começou a ensinar alunos de graduação na Universidade de Copenhagen a analisar micronutrientes em peixes de Bangladesh. Esta pesquisa revelou que muitas espécies de pequenos peixes são ricas em nutrientes importantes para a saúde humana.

Um peixe em particular, a mola (Amblypharyngodon mola), contém níveis extremamente altos de vitamina A, que é importante para a visão, o sistema imunológico e a reprodução. Armada com este crescente corpo de evidências, Thilsted começou a aumentar o consumo de peixes pequenos, especialmente para mães e crianças.

Uma mulher em Bangladesh alimenta seu filho com arroz fortificado com pó de peixe nutritivo. Finn Thilsted, CC BY-ND.
Uma mulher em Bangladesh alimenta seu filho com arroz fortificado com pó de peixe nutritivo. Finn Thilsted, CC BY-ND.

Ampliando as inovações

Os alimentos aquáticos são particularmente importantes desde a concepção até o segundo aniversário de uma criança. Não consumir micronutrientes suficientes como ferro, zinco, vitamina A e vitamina B12 aumenta o risco de doenças, mortalidade materna e infantil, atraso no crescimento e baixo desempenho cognitivo. A subnutrição é responsável por até 45% de todas as mortes infantis evitáveis.

Em 2010, Thilsted ingressou no instituto internacional de pesquisa WorldFish. Ela voltou a Bangladesh para trabalhar na ampliação de “abordagens sensíveis à nutrição” para a produção de peixes, com base nas percepções de suas pesquisas anteriores.

Seu trabalho anterior mostrou que peixes pequenos como a mola crescem bem em tanques de fazenda ao lado de peixes maiores, como a carpa. Mudanças simples na forma como os peixes pequenos eram pescados nos lagos, como o uso de diferentes tipos de redes de pesca, aumentaram o papel das mulheres em sua produção. A criação de peixes pequenos dessa forma provou ser uma forma altamente econômica de reduzir o fardo da desnutrição.

Thilsted também começou a investigar maneiras de fornecer micronutrientes para mães e crianças usando produtos à base de peixes, como pós, condimentos e bolachas como uma forma culturalmente apropriada de melhorar suas dietas. A WorldFish promoveu amplamente essas inovações em países como Camboja, Índia, Mianmar, Nepal, Malauí, Serra Leoa e Zâmbia.

Shakuntala Thilsted, à direita, em Bangladesh. Flo Lim / WorldFish, CC BY-ND.
Shakuntala Thilsted, à direita, em Bangladesh. Flo Lim / WorldFish, CC BY-ND.

Da pesquisa à política

Thilsted trabalhou incansavelmente para traduzir as principais percepções de sua pesquisa em políticas públicas. Isso incluiu parcerias estreitas com governos, como o Governo do Estado de Odisha, na Índia, que recentemente começou a incluir peixe seco em rações alimentares que fornece a grupos vulneráveis.

Ela também aconselhou uma série de organizações internacionais de alto perfil, incluindo a Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola e o UNICEF. Seus esforços aumentaram a conscientização sobre o valor dos alimentos aquáticos em sistemas alimentares saudáveis ​​e promoveram compromissos mais amplos para apoiar esse papel transformador.

Thilsted viveu por muitos anos nos países onde busca criar mudanças positivas. Ela adora passar o tempo em campo, observando cuidadosamente e fazendo as perguntas certas.

Esse espírito de investigação e ampla experiência prática, combinados com altos padrões de rigor acadêmico, deram origem a muitos de seus insights mais importantes. Por exemplo, ela descobriu que a pesca de captura selvagem e a criação de peixes podem fazer contribuições altamente complementares para a segurança alimentar e nutricional.

Como vi em primeira mão, Thilsted também tem uma capacidade única de se conectar com as pessoas, independentemente de seu status social, desde mulheres agricultoras na zona rural de Bangladesh até altos funcionários das Nações Unidas. Gerações de jovens cientistas, inclusive eu, floresceram sob sua orientação e foram inspirados por sua notável visão, persistência, generosidade e compromisso com a nutrição das pessoas e do planeta.

Fonte: The Conversation / Ben Belton
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse:
https://theconversation.com/the-2021-world-food-prize-recognizes-that-fish-are-key-for-reducing-hunger-and-malnutrition-160913