Efraim Rodrigues (*)
Quando um repórter está meio sem assunto, ele pega um tema fácil, e rapidinho ele tem uma matéria. Alguns temas são consenso, é fácil bater neles, são como um cachorro morto jornalístico. O preço da comida, por exemplo.
A receita é fácil. Tome uma equipe de reportagem, vá ao supermercado mais próximo, ponha um microfone na cara da primeira pessoa que encontrar, e pergunte qual sua opinião sobre o preço da comida. Para completar, faça uma compra de gêneros básicos usando o salário mínimo. Filme o carrinho. Sua matéria está pronta !
Há alguns anos, eu recebi um grupo de japoneses na Universidade. Fui a São Paulo recebe-los no aeroporto e os trouxe até Londrina de carro. Eles choraram quando terminamos a viagem!
O que houve, eu dirijo tão mal assim?
É que nós não imaginávamos que houvesse tanta terra sem usar em algum lugar deste planeta!
De um lado, nós temos preços caros de comida, e do outro temos um esbanjamento irresponsável de um recurso natural muito mais precioso que petróleo, que é o solo.
Digo isto, porque o petróleo nos dá transporte, plástico, asfalto, borrachas, alguns itens até fundamentais, mas nada tão fundamental quanto alimento.
E para ver desperdício de solo, você não precisa sair da cidade.
Você pode, por exemplo, estender a matéria com aquela pessoa do supermercado, indo até a casa dela. Eu aposto que você encontrará o bendito vasinho de samambaia, avenca, ou violeta. O bendito gramadinho com o hibiscus no canto. Se o alimento está caro, porque não troca-lo por um vasinho de tempero, um pezinho de tomate, um pé de couve ?
Com tanta planta útil, porque ter jardins com esta porcariada exótica, sem função ambiental alguma, quando tem várias plantas exóticas que podem oferecer algo de útil para seus donos ?
Eu já imagino neste momento você pensando – E eu lá tenho tempo para cuidar de tomate ? Se você é um destes tipos que “gerencia seu tempo” olhe então para a planta como um empregado seu. Imagine que você tem um grupo de empregados trabalhando para produzir comida para você, recebendo água como pagamento. Todo dia você vai lá com um copinho de água, paga seu empregado, pergunta como anda o trabalho dele, as condições de trabalho, etc. e pronto. É esta a sua preocupação com ele no dia. Daí a algum tempo, ele te dá tempero, tomate, couve, um monte de coisas.
Se você é do tipo mais “educacional”, esta é também uma oportunidade sem igual de ensinar coisas interessantes para as crianças, como o valor da persistência, do trabalho, de onde vem o alimento que comemos. Para os ligados no orçamento familiar, por menor que seja o tamanho da sua horta doméstica, um saquinho de leite que seja, são sempre alguns centavos, ou até mesmo reais, dependendo do que você plantar, que deixam de sair do seu bolso.
E finalmente para os tipos ambientalistas, que querem salvar o mundo, garantir o direito das pessoas que ainda vão nascer, e outras baboseiras do tipo, como eu, pegar um pouquinho de terra na caçamba da rua de baixo, misturar com o composto orgânico também produzido em casa, e colocar no saquinho de leite que ia para o lixo, significa propor um modelo de reciclagem de matérias primas que põe junto quatro problemas ambientais, e ao invés de ter um problema elevado à quarta potência, chegar a uma solução.
O solo retirado para fazer a obra, tem que ser descartado em algum lugar, onde vai causar problema, assim como o saquinho do leite, e os resíduos domésticos. O quarto problema é a contaminação de alimentos com pesticidas. Ao produzir comida em casa, em pequena escala, você também se livra deste problema.
Não há casa, quitinete, até mesmo barraco feito de lona preta, que não possa ter uma planta com alguma utilidade. O resultado disto, multiplicado pelos milhares de pessoas que moram em uma cidade, seria uma abundância de alimento inacreditável.
Agora, se você achou tudo isto um sonho absurdo, pelo menos quando o repórter colocar o microfone na sua cara, diga bem claro para ele:
Eu acho absurdo gastar dez segundos por dia regando uma planta, mas vejo cinco horas de tv por dia !
É seu direito fazer isto. Só não reclame do preço do alimento para mim.
* É Ph.D. em Ecologia pela Harvard University, professor adjunto de Recursos Naturais da UEL e autor do Livro Biologia da Conservação.