Agrosilvicultura e Agricultura Orgânica

Efraim Rodrigues (*)

Por mais “ecológica” que a idéia de uma comida sem resíduos possa parecer para o grande público, ela é na verdade algo egoísta. É algo como: “A minha comida me importa, o resto do mundo que se dane”. A produção de uma comida de melhor qualidade, às vezes até ajuda o ambiente em que ela é produzida, como no caso do aproveitamento de resíduos agrícolas para o aumento da matéria orgânica no solo. Outras vezes, o uso excessivo de matéria orgânica pode causar contaminação do lençol freático, ou a produção pode exigir intensa mão de obra, que é parcamente remunerada. A ênfase da produção orgânica é no alimento, não no entorno.

A idéia central da agrosilvicultura é respeitar a vocação da área onde o alimento está sendo produzido. Em quase todo o Brasil, isto significa utilizar árvores, já que a nossa vegetação original é florestal, ou no mínimo arbórea. Desde a segunda guerra mundial, ou ainda antes dela, nós tentamos forçar nossas áreas agrícolas a serem o que não são; campos com uma ou duas espécies de ervas, como trigo, algodão ou soja, onde as árvores são um empecilho à produção. Muita porcariada foi aplicada na agricultura para vestir esta camisa de força em nosso ambiente.

A agrosilvicultura parte de um outro paradigma;

Se a vocação da terra é para floresta, faremos uma floresta então, mas uma floresta com espécies de interesse econômico.

Outra característica fundamental dos ecossistemas brasileiros é a alta diversidade. Pegue um ha de ecossistema nativo em qualquer área do Brasil. Você sempre vai encontrar um monte de espécies. A agrosilvicultura parte destes dois princípios básicos; Cobertura Florestal e Diversidade.

Estes dois componentes podem ser combinados de diversas formas em cada sistema agrosilvicultural. No Nordeste, por exemplo, se cortam as folhas das árvores para dar para as cabras, Na Costa Rica, plantam árvores (Aguilán, principalmente) para sombrear o café. Em São Paulo, e no norte do Paraná, plantava-se arroz e feijão na entrelinha do café. Hoje não se faz mais isto. É uma pena, porque quanto mais espécies de plantas nós colocarmos em cada metro de terra, menos pragas nós teremos.

Outra função das árvores é puxar nutrientes das camadas mais profundas do solo.

Qualquer nutriente que “escorregue” do plantio, é absorvido pelas árvores, o nutriente vira folha, a folha cai no solo, e o melhor da estória é que este nutriente volta para o seu solo na forma de matéria orgânica na superfície.

Árvores também ajudam a agricultura sombreando o solo, e formando um colchão de ar que evita as geadas.

Cada caso é um caso, e infinitas combinações podem ser usadas, dependendo da realidade da propriedade e da economia local. Agrosilvicultura exige conhecimento e experiência, não é coisa para marinheiro de primeira viagem que segue a receitinha de bolo escrita na embalagem do veneno.

Existem iniciativas em agrosilvicultura por todo o Brasil, mas a classe rural tem resistido a sua adoção.

Um amigo que é produtor de café orgânico do Norte do Paraná, tentou convencer alguns colegas sobre as vantagens do café sombreado. Ele foi até ofendido!

-O meu pai, e o pai dele faziam assim, porque mudar agora ? Talvez porque o seu pai e o pai dele exauriram o solo cheio de matéria orgânica proveniente da floresta que foi desmatada. Esta mamata acabou, agora é necessário pensar no futuro.

Sombrear o café não é nenhuma grande inovação da agrosilvicultura. Na verdade, o ambiente natural de ocorrência do café é o subbosque das florestas. Você pode escolher seguir a vocação da planta, ou força-la a ser uma coisa que não é. A escolha é do agricultor, mas quem paga a conta somos todos nós.

* É Ph.D. em Ecologia pela Harvard University, professor adjunto de Recursos Naturais da UEL e autor do Livro Biologia da Conservação.