Livro de 1 bilhão de anos

Páginas de uma obra geológica que teria sido escrita entre 1 bilhão de anos e 500 milhões de anos atrás, no período Neoproterozóico, serão consultadas a partir de quinta-feira (7/10), no interior do Mato Grosso do Sul.

“Estaremos estudando rochas como se fossem um livro muito antigo, que contém uma linguagem ainda pouco conhecida”, disse Paulo Boggiani, pesquisador do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, à Agência FAPESP.

Boggiani faz parte de uma expedição que irá investigar durante uma semana diversos locais ao longo do Rio Paraguai, no Pantanal. Cientistas brasileiros terão a companhia de colegas da Alemanha, Argentina, África do Sul, Canadá e Uruguai. O grupo foi formado durante um congresso científico internacional realizado esta semana em São Paulo. Tanto o congresso quanto a expedição fazem parte de um projeto financiado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

“Vamos atrás das novas frentes de lavra que existem na região. Essa é a única forma de visualizar os afloramentos da área e estudar o interior das rochas”, explica o pesquisador. Na região de Corumbá, explica, já foram encontrados fósseis de Cloudina e Corumbella, ambos animais bastante primitivos.

“O nome Corumbella é uma homenagem à cidade de Corumbá”, conta Boggiani. Cloudina é o primeiro organismo conhecido, em toda história evolutiva da Terra, com um tipo primitivo de esqueleto. “Esse fóssil é cosmopolita, existe no Brasil, na África, na China e na Arábia”, explica Boggiani. Entre os integrantes da excursão pelo Pantanal está o sul-africano Gerard Germs, primeiro a descrever um exemplar de Cloudina.

No Neoproterozóico, que está inserido em termos de intervalo de tempo no Precambriano, todos os continentes atuais estavam unidos. No período surgiu a chamada fauna de Ediacara, composta exclusivamente por animais de corpo mole.

“Todos os animais desse grupo desapareceram alguns milhões de anos depois. O que foi bom, pois, do contrário, seriamos todos amebóides, sem esqueleto”, brinca Boggiani. Para o pesquisador, analisar os fósseis do Neoproterozóico é uma forma também de tentar elucidar uma outra questão que vem causando sérias polêmicas no mundo geológico e biológico.

“Uma das teses que existe hoje é que o continente único que havia durante o Neoproterozóico teria sido totalmente recoberto por gelo não uma, mais duas vezes”, explica. “Essa idéia surgiu a partir de estudos que mostram que naquele tempo houve a formação de gelo próximo ao Equador.

No congresso realizado esta semana, grupos do Uruguai e da Argentina trouxeram dados que ajudam a refutar a tese, pelo menos por enquanto. “Eles ressaltaram que não existe nenhum evidência de gelo no intervalo de tempo que estudaram”, disse Boggiani.

Segundo o geólogo brasileiro, a polêmica pode ser considerada parecida com a da extinção dos dinossauros. Dentro desse livro ainda incompleto, entretanto, os pesquisadores já sabem que o Neoproterozóico teve um papel importante na evolução da vida sobre a Terra. “A grande explosão ocorreria apenas no Cambriano, mas as drásticas mudanças que ocorreram antes tiveram um papel fundamental”, afirma. (Fapesp)