Depois de navegar mais de 300 quilômetros em rios encachoeirados, chega a Macapá a equipe da primeira expedição científica a desvendar os segredos do Parque Nacional (Parna) Montanhas do Tumucumaque (Amapá). Formada por especialistas do Núcleo de Biodiversidade do IEPA – Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá e por analistas ambientais do Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e liderada pela ONG Conservação Internacional, a equipe passou 20 dias dentro no interior da floresta, antes conhecida apenas por imagens aéreas.
Com o auxílio de assistentes de campo, barqueiros e um especialista em primeiros socorros da Cruz Vermelha, os pesquisadores coletaram dados sobre a biodiversidade de mamíferos, aves, peixes, répteis, anfíbios, crustáceos e plantas, além de informações sobre a topografia, relevo, cobertura vegetal e diversidade de hábitats em três quilômetros de diâmetro no centro do Tumucumaque. Essas informações fazem parte do primeiro levantamento sistemático de flora e fauna sobre o maior parque de floresta tropical do mundo.
“O ganho em conhecimento científico a respeito dessa região da Amazônia, ainda pouco estudada, deverá constituir uma real contribuição para a biologia da conservação, não só do Tumucumaque, mas de outras florestas tropicais do planeta”, estima Christoph Jaster, analista ambiental do Ibama e Chefe do Parque. A contribuição da qual fala Jaster, ainda pode aumentar: ainda há cinco expedições previstas em Tumucumaque até 2005. “Esses dados são elementos importantes no processo de implantação da unidade. Serão utilizados na elaboração do Plano de Manejo, que está sendo elaborado”, conclui.
A equipe demorou três dias para chegar até o local de amostragem da expedição, no município de Porto Grande, onde foi montado o acampamento. O percurso começou no município de Serra do Navio e foi demorado porque o nível do leito dos rios Araguari e Amaparí, único meio de acesso à área, estava muito baixo. “Tínhamos que carregar as embarcações por causa das rochas que afloravam, mas o esforço foi recompensado quando chegamos à confluência dos rios Amaparí e Anacuí. A beleza da cachoeira formada pelos dois rios fascinou mesmo os mais habituados à exuberância cênica da Amazônia”, relata Enrico Bernard, chefe da expedição.
O acampamento foi instalado próximo à cachoeira, por tratar-se de uma área que abriga diferentes paisagens vegetais e rios, o que aumenta a possibilidade de ocorrência de espécies. Nos igarapés e partes alagadas, próximas ao acampamento, o herpetólogo (especialista em répteis e anfíbios) Jucivaldo Dias e seus dois assistentes registraram 64 espécies, sendo 24 de anfíbios, 22 de lagartos, 14 de serpentes, três de quelônios e uma de jacaré. “Duas espécies de anfíbios podem ser novas para a ciência, porém precisamos de mais tempo para consultar vários especialistas e trabalhos de pesquisa antes de termos certeza”, complementa o especialista.
A equipe de mamíferos também registrou uma grande quantidade de espécies. Ao todo foram 75. Vinte e nove só de morcegos, além de onças, capivaras e vários roedores e cervídeos. “Avistamos cervos em uma área de floresta de terra firme. Eles vivem nas bordas das florestas e evitam as áreas mais densas. Alimentam-se de gramíneas, frutos, folhas e até galhos. Alguns espécimes chegam a 80 centímetros de altura e a um peso de 50 quilos”, descreve a mastozoóloga (especialista em mamíferos) Cláudia Silva. Segundo a pesquisadora, apesar de ocorrerem em praticamente todo o continente americano, os cervos são pouco citados na literatura científica. No Brasil, eles se espalham pelo norte da região amazônica.
O Parna Montanhas do Tumucumaque possui 3,8 milhões de hectares de extensão – área equivalente ao estado do Rio de Janeiro. Está localizado no Escudo das Guianas, no noroeste do estado do Amapá e cobre uma pequena parte no Pará. Criado em 2002, o Parque consititui, com outras 11 áreas protegidas, o Corredor de Biodiversidade do Amapá, que compreende mais de 10 milhões de hectares e protege vários tipos diferentes de ecossistemas – mangues, cerrados, florestas tropicais, florestas de altitude e terras alagadas.
A próxima expedição, programada para o mês de novembro, acontece na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, no sudoeste amapaense. (Ascom Conservação Internacional)