Reserva pantaneira ganha ONG de proteção à onça pintada

Considerada símbolo do Tesouro Nacional tanto nas cédulas que movimentam a economia quanto na fauna que enche os olhos de gringos e brasileiros, pela primeira vez a onça pintada parece ter um destino mais seguro e palpável que o registro no papel. É esse o propósito da organização não-governamental (ONG) Fundo para Conservação da Onça Pintada, em atuação desde 2002 no Refúgio Ecológico Caiman, em pleno Pantanal sul-mato-grossense, principal habitat da espécie.

Apoiado pela Ong Conservation International, o projeto pioneiro no cenário mundial chega a seus dois anos de existência preparando, para fevereiro de 2005, a instalação de sede própria na reserva, tida hoje como um dos principais pontos de turismo ecológico do País. Ambiciosa, a meta de proteger da extinção um dos animais mais caçados da atualidade ganhou um entorno social, com a assistência às famílias de peões até bem pouco tempo inimigos do bicho.

De acordo com o biólogo Leandro Silveira, mestre e doutor no assunto pela Universidade de Brasília (UnB) e presidente da ONG brasileira, boa parte das onças abatidas hoje no Brasil é vítima da retaliação de fazendeiros que tiveram gado atacado pelo felino. Com isso, além do trabalho de conscientização de peões e atendimento bucal a seus familiares, via parceria com a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), a equipe da ong estabeleceu o valor de R$ 300 a cada boi ou vaca morto pela onça.

‘Esse programa de compensação obriga os próprios fazendeiros a identificarem a predação e nos ajuda a monitorar não só a população de onças, como também de presas’, explica o biólogo, que vê na iniciativa uma solução razoável, a longo prazo, para esse conflito homem/animal.

Mesmo assim, Silveira denuncia: o trabalho que até equipa os fazendeiros com máquinas digitais da ong não é fácil e conta com pouco ou quase nenhum apoio de órgãos públicos, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). ‘Boa parte da caça à onça é feita por uma máfia composta de gente com alto poder aquisitivo, mesmo cônsules e diplomatas’, critica. ‘É como se, para o governo, só importasse aqui na região o tráfico de drogas. Caçadores chegam mesmo a anunciar caçadas desse tipo em jornais europeus, é um absurdo. A onça também é patrimônio brasileiro e merece a mesma estratégia de combate ao narcotráfico: tem que aplicar a legislação’, defende.

O Fundo atua hoje em 11 fazendas, em uma área equivalente a 154 mil hectares de terra. Ao todo, a atividade de monitoramento envolve 254 peões, mas a meta, conforme adiantou o presidente da ong, é criar uma reserva privada de 300 mil hectares só para as atividades de proteção à onça pintada. Hoje, a reserva Caiman concentra o maior número de representantes da espécie 22, das 40 estimadas , daí a escolha para a futura sede.

O projeto da ong pode ser acessado na Internet pelo endereço www.jaguar.org.br.

Além de sediar em breve o projeto de preservação da onça pintada, o Refúgio Ecológico Caiman, no município de Miranda (MS), é também berço para o Projeto Arara Azul, na ativa desde 1990. Com isso, a área se transformou hoje em um centro de reprodução de araras azuis, com 111 ninhos naturais e artificiais cadastrados pela coordenadora do projeto, a bióloga Neiva Guedes.

Pesquisadora da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e Região do Pantanal (Uniderp), Neiva criou a técnica que combina alpinismo e metodologias de pesquisa para monitorar as aves e instalar os ninhos. A idéia é oferecer condições de sobrevivência aos filhotes até a idade de vôo, quando são menores os índices de mortalidade. O resultado pode ser conferido no dia-a-dia da Caiman: quando menos se espera, um casal de araras azuis sobrevoa o espaço e se aninha para o descanso, ou para a alimentação da prole. Exuberantes e dóceis, eles são animais monogâmicos ou seja, mantêm um único parceiro , característica que não deixa de ser um paradoxo na diversidade do reino animal: bem-vinda (e cada vez mais rara) entre o bicho-homem, mas facilitador das chances de extinção para a ave. Eis um dilema para a Natureza resolver. (Janaina Garcia / Folha de Londrina)