Os métodos para assegurar ilegalmente a posse da terra em uma das últimas fronteiras da Amazônia ganharam uma face assustadoramente tecnológica. Grileiros e madeireiras ilegais mapeiam as áreas-alvo com a ajuda de imagens de satélite e aparelhos de GPS, limpam áreas com milhares de hectares em questão de poucos dias e escolhem épocas diferentes das tradicionais para desmatar.
Por outro lado, a grilagem de última geração na Terra do Meio (PA), descrita num relatório do Ministério da Ciência e Tecnologia, obtido pela Folha de S. Paulo, tem pelo menos um ponto importante em comum com o que sempre aconteceu em fronteiras agrícolas da Amazônia. Para quem avança sobre terras públicas e reservas, o interesse é assegurar a posse do máximo de terra possível -e só depois tratar de dar a ela alguma utilidade econômica.
“Nós queríamos caracterizar o que estava acontecendo lá na Terra do Meio, quais eram os processos de apropriação da terra no Pará”, diz Gilberto Câmara, pesquisador do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e vice-coordenador do Geoma (Rede Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amazônia).
“Descobrimos que o que move tudo é a busca pelo direito de propriedade sobre terras públicas”, afirma o cientista. O relatório do Geoma sobre a Terra do Meio e seus arredores, feito com base numa missão de campo do ano passado, mostra como e onde esse processo tem avançado e algumas possíveis tendências.
Processo acelerado – Segundo Peter Mann de Toledo, coordenador do Geoma e diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, a “voracidade” desse processo aumentou nos últimos três anos. “O conhecimento da tecnologia de satélite por parte dos grileiros acaba tornando isso mais rápido”, afirma ele. “É claro que eles têm acesso a tais dados, até pela política de transparência do governo, que os têm colocado à disposição do público”, diz Câmara.
“Eles são muito bem equipados, às vezes mais modernos que a gente”, ironiza Philip Fearnside, ecólogo do Inpa – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, outro membro da equipe do relatório. Os programas de informação geográfica por satélite permitem localizar áreas de interesse para a apropriação ilegal, verificar possíveis conflitos com reservas indígenas ou ambientais e escolher trechos de mata em terras pertencentes à União.
Depois, com a ajuda de aparelhos de GPS (sistema de posicionamento global, na sigla inglesa), fica fácil mapear e delimitar a área para o desmatamento. “Tudo isso ajuda a minimizar os custos de fazer a grilagem”, diz Fearnside. O pesquisador recorda o caso de um madeireiro que chegou a Apuí, no Amazonas (fora da Terra do Meio, portanto) de olho numa área isolada de floresta. “Com o GPS, a filha dele viu que a área estava incluída numa reserva criada pelo Estado do Amazonas, e ele acabou desistindo.”
Desnecessário dizer que o desfecho desse tipo de iniciativa nem sempre é tão animador. Outro trecho de mata completamente isolado, ao sul do rio Iriri, perdeu, em duas semanas, cerca de 6.200 hectares. Sugestivamente, conta Fearnside, o polígono desmatado ganhou o apelido de “Revólver”, por causa de seu formato. Seu surgimento foi acompanhado pelo sistema Deter – Detecção do Desmatamento em Tempo Real.
“O que nos pareceu estranho nesse caso foi a rapidez e a distância -o fato de estar bem no meio da Terra do Meio, no meio do nada”, diz Câmara. “É difícil imaginar por que alguém ia abrir uma clareira tão grande, a não ser que não soubesse que a gente ia “pegar” isso com o satélite.” A lógica do desmatamento rápido de grandes áreas, facilitada pelo mapeamento eletrônico, é a de criar um fato consumado. Fica mais fácil conseguir a posse de uma suposta área de preservação que já perdeu boa parte da floresta.
A necessidade de escapar da vigilância também está mudando as épocas do ano escolhidas para grandes derrubadas, contam os pesquisadores. “Eles começam a fazer coisas fora do padrão, como desmatar na época das chuvas, e não na estiagem”, afirma Toledo. Para quem olha de fora, a área continua verde e o processo pode prosseguir com facilidade.
Apesar de todas as mudanças, uma coisa continua igual ao que sempre aconteceu em outras fronteiras agrícolas do país. “Por enquanto, você vê que a exploração madeireira, por exemplo, é mínima”, diz Toledo. “O interesse deles é conquistar terras o mais rapidamente possível e só depois utilizá-las economicamente. Esse é o mesmo padrão que já foi dominante em Rondônia, em Mato Grosso ou no Acre.” (Folha Online)