O alto preço dos combustíveis está afetando não somente o orçamento doméstico dos americanos, mas provocando uma mudança no comportamento de algumas famílias, que estão trocando o carro pelo metrô e até optando por modelos menores na hora de comprar um veículo novo.
Pela primeira vez em 14 anos, os automóveis de passeio estão tomando mercado das picapes e camionetes. Nos primeiros quatro meses deste ano, a venda de picapes caiu 1,7%, enquanto a de carros aumentou 3,1%. Os carros de passeio respondem por 46,3% do total de veículos vendidos, de acordo com a Wards Automotive, uma empresa que pesquisa e elabora estatísticas sobre venda de veículos.
Nos anos 80, os carros respondiam por cerca de 80% das vendas e a participação foi caindo até chegar a 45,4% no início do ano passado, o menor nível até a reação recente.
O que atrai os consumidores para os modelos mais econômicos é a conta na hora de encher o tanque. Os preços cederam um pouco na última semana, mas a gasolina ainda acumula uma alta média de 6,1% nos últimos 12 meses, com aumento de 18% em algumas regiões do país. O diesel subiu em média 39,5% nos últimos 12 meses, com alta de quase 50% em algumas regiões.
Metrô
O preço médio de US$ 2,12 por galão de gasolina – US$ 0,78 por litro, ou R$ 1,90 – é baixo comparado com o preço no Brasil, mas é mais do que os americanos estavam acostumados a pagar.
“Passei a ir trabalhar de metrô, mas a minha mulher ainda tem que usar bastante o carro para ir trabalhar e levar as crianças à escola e outros compromissos”, contou John Kucolocks enquanto enchia o tanque de sua camionete.
Ele diz que os gastos da família com combustível passaram de pouco mais de US$ 60,00 por semana para quase US$ 100,00. “É muito mais do que no ano passado”, reclama.
O taxista William (que não quis dizer o sobrenome) diz que gasta cerca de US$ 13,00 em combustível a mais por dia em relação ao ano passado e que com isso seu ganho com as corridas caiu.
“Pensei que tivesse que regular o carro, mas depois vi que não é, é o preço mesmo que subiu”, diz ele.
Impacto econômico
O aumento dos combustíveis também pode ter repercussões no resto da economia, com redução do dinheiro disponível para o consumo, argumenta o economista Dean Baker, co-diretor do Centro para Pesquisa Econômica e de Políticas.
Ele nota que embora o núcleo da inflação, que exclui alimentação e energia, tenha se mantido inalterado em abril, os preços dos combustíveis subiram 4,5% no mesmo período. “Como as pessoas não podem reduzir esses gastos vão acabar cortando em outras áreas ou diminuindo a já reduzida poupança doméstica”, diz Baker.
O preço elevado no varejo e as previsões – de instituições como Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Tesouro – de que o petróleo deve continuar em alta nas próximas décadas levaram o presidente americano, George W. Bush, a relançar na semana passada seu plano de energia, que inclui pontos polêmicos como a perfuração de poços de petróleo numa reserva ambiental no Alasca.
O projeto foi lançado há exatamente quatro anos, logo no início do primeiro mandato, e até agora não foi analisado pelo Congresso.
Os Estados Unidos são o maior consumidor mundial de petróleo e derivados, com um consumo superior a 20 milhões de barris de derivados de petróleo por dia. Quase metade desse volume é consumido na forma de gasolina, para abastecer os cerca de 200 milhões de veículos automotivos que rodam no país.
Apesar de ser o terceiro maior produtor mundial de petróleo e de refinar mais de 90% da gasolina consumida no país, mais da metade do petróleo processado no país é importado. Metade vem do próprio hemisfério, outros 20% são importados do Golfo Pérsico, 15% da África e os 15% restantes de outras regiões.
O Brasil, um dos maiores produtores de álcool combustível do mundo, quer aproveitar a alta dos preços do petróleo e convencer os americanos a aumentar a parcela de álcool na gasolina, hoje de apenas 3%, e a usar o motor flexfuel, que roda com qualquer combinação de álcool e gasolina.
Motor e álcool brasileiros
O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan, contou que foi muito bem recebido quando apresentou o plano recentemente a um grupo de governadores americanos, de uma coalizão que busca fontes alternativas de combustível.
Ele se dedicou a explicar a empresários e integrantes do governo americano as vantagens do motor brasileiro, que identifica e responde mais rapidamente ao combustível escolhido pelo motorista, e diz que nota um interesse crescente pelo assunto nos Estados Unidos e em outros países.
“Tem uma mudança cultural em andamento. O Protocolo de Kyoto está abrindo para nós uma avenida fantástica para a energia renovável. E nós temos que pegar essa bandeira”, afirmou.
Nesta segunda-feira, o jornal Washington Post defende, em editorial, o fim da sobretaxa de US$ 0,54 por galão de etanol importado, com o objetivo de proteger o álcool de milho produzido no país, mais caro do que o brasileiro. “Não temos razão nenhuma para exigir que o etanol seja produzido no país. Mas o etanol brasileiro barato enfrenta uma tarifa elevada”, diz o jornal.
Mas o aumento dos preços dos combustíveis não deve mudar, pelo menos num futuro próximo, o hábito dos americanos de viajar de carro. Uma pesquisa da Associação dos Motoristas Americanos mostra que no feriado da próxima segunda-feira, dia 30, 31 milhões de americanos devem pegar a estrada, um número 2,2% maior do que no mesmo feriado no ano passado. (Denize Bacoccina / BBC Brasil)