Corpos mal cremados teriam gerado vaca louca

O mal da vaca louca – encefalopatia espongiforme bovina (BSE) -, que afetou a Europa, teria chegado à Grã-Bretanha por meio de ossos e carcaças importadas para produzir fertilizantes e ração para gado. Segundo um estudo publicado na The Lancet, restos humanos contaminados podem ter sido usados na fabricação de ração.

As importações ocorreram com freqüência nos anos 1960 e 1970, e cerca de 50% delas saíram de Bangladesh, Índia e Paquistão, onde a coleta de ossos e carcaças no interior e em rios é uma prática comum. E ali é tradição hindu, nos funerais, despejar os restos humanos em um rio, de preferência o Ganges.

O estudo, recebido com ceticismo por muitos cientistas, inverte a idéia de que os bovinos sejam a origem da contaminação dos humanos. Sugere que pessoas com a doença de Creutzfeldt-Jakob – versão humana da BSE – tenham sido mal cremados após a morte e que seus restos tenham contaminado os animais.

Depois disso, segundo os pesquisadores, a versão bovina da doença começou a afetar as pessoas. A BSE foi identificada no gado britânico no final dos anos 80, e muitos cientistas estimam que a doença atingeiu pessoas que consumiram carne contaminada. Na Grã-Bretanha, 157 casos em humanos foram registrados, e na França, 14.

Transmissão – Alan Colchester, professor de Saúde na Universidade de Kent, e Nancy Colchester, da Faculdade de Medicina e Veterinária da Universidade de Edimburgo, afirmam no estudo que os príons – proteínas anormais que causam a doença em suas versões em pessoas, bovinos e ovelhas – são altamente resistentes tanto à desintegração natural quanto à esterilização.

Em 1980 foi evidenciado que a forma infecciosa dessas proteínas pode sobreviver uma cadeia inteira de processamento que leva à produção de ração animal.

Eles lembram que muitas pessoas naqueles países não têm recursos para pagar madeira suficiente para a cremação dos mortos. Em alguns casos seria suficiente esfumaçar a pélvis das mulheres e o torso dos homens. Muitas vezes, cadáveres intactos são jogados no Ganges, segundo os pesquisadores.

Pesquisa em laboratório mostrou, porém, que é necessária uma quantidade mínima de tecido cerebral contaminado para transmitir a forma humana a primatas não-humanos.

Probabilidades – “Certamente é uma possibilidade que não se pode descartar completamente, mas eu diria que ela está bem baixa na escala de probabilidades”, disse à BBC o professor da Universidade de Bath David Brown, especialista em doenças causadas por príons.

Brown observa que os mais pobres, que correspondem a muitos dos corpos no Ganges, têm expectativa de vida mais baixa. As doenças de prions surgem predominantemente em pessoas mais velhas.

Para o professor Susarla Shankar, chefe de Neurologia do Instituto Nacional de Doenças Mentais e Neurociências de Bangalore, na Índia, a teoria não se sustenta. “Se fosse assim, deveríamos encontrar mais casos de BSE no gado na Índia. No momento, o centro de controle não registra um único caso”, disse ele à BBC.

Ração proibida – O uso de ração animal para alimentar animais de fazenda está proibido desde 1996 na Europa e as regulamentações de alimentos de origem animal foram apertadas.

Mesmo assim, casos esporádicos de BSE foram registrados na Grã-Bretanha e outros países da Europa depois disso e não há explicação para eles. A incidência da doença vem caindo e especialistas esperam que a BSE possa ser erradicada se forem mantidas as medidas sanitárias adotadas para controlar a doença. (BBC Brasil/ Estadão Online)