Brasil foi oásis de vida em período de megaglaciação

Rochas extraídas do subsolo do interior de Minas Gerais podem ser a prova de que o Brasil escapou do pior durante a mais feroz glaciação da história da Terra – e que esse período nem foi tão frio quanto o pintam. No momento em que o planeta parece ter virado uma geladeira, o mar que existia perto de Paracatu (noroeste mineiro) estava coalhado de vida microscópica de todo tipo.

O trabalho, feito por geólogos americanos e um brasileiro, está na edição desta sexta-feira (30) da revista “Science”, a principal publicação científica dos Estados Unidos. Se a interpretação da equipe sobre os dados estiver correta, pode se tratar de um golpe duro para a teoria conhecida como “Snowball Earth” (Terra Bola de Neve, em inglês), uma das mais polêmicas e fascinantes sobre a evolução do planeta dos últimos tempos.

A teoria afirma que, entre 1 bilhão e 600 milhões de anos atrás, uma série de glaciações violentas cobriram de gelo o planeta, chegando até o Equador, e exterminando praticamente todas as formas de vida. Pouquíssimas teriam conseguido escapar, isoladas em pequenos refúgios menos frios.

“Esse trabalho está negando a Snowball Earth”, disse à Folha o geólogo Tolentino Flávio de Oliveira, da empresa Votorantim Metais, em Vazante (MG). Foi por meio de rochas extraídas nos trabalhos de prospecção de minérios da empresa que Oliveira e seus colegas americanos, liderados por Alan Jay Kaufman, da Universidade de Maryland, toparam com registros de um paraíso de micróbios em meio a uma suposta Terra eternamente enregelada, com idade entre 740 milhões e 700 milhões de anos.

Uma das propostas-chave da teoria é que a cobertura de gelo sobre os oceanos teria se tornado tão espessa que a luz solar não chegava em quantidade suficiente à água. Assim, os microrganismos que dependem do Sol para realizar a fotossíntese (a transformação de gás carbônico e água em nutrientes, com a ajuda da energia da luz) teriam batido as botas. Mas não é essa a história que as rochas de Paracatu contam.

Sinais de vida – “O folhelho (tipo de rocha que predomina nas amostras analisadas) está cheio de substâncias orgânicas que são biomarcadores”, diz Oliveira. Trocando em miúdos: a composição da rocha inclui substâncias que só poderiam ser produzidas por seres vivos – aliás, tipos específicos de seres vivos, como cianobactérias (micróbios verdes que fazem fotossíntese) e eucariontes (seres complexos, de células com núcleo, como as humanas, mas ainda unicelulares). Animais e plantas ainda não tinham evoluído.

“A mistura sugere que os oceanos estavam divididos em estratos, com águas com oxigênio mais acima e com menos oxigênio embaixo”, explica Kaufman. Não dá para negar que estivesse frio: no meio do folhelho, aparecem “dropstones” (literalmente “pedras caídas”). “Elas provavelmente estavam sobre uma geleira e, quando ela derreteu, caíram no que se tornaria o folhelho”, diz Oliveira. Mas, se havia capa de gelo no mar, ela devia ser fina.

Há dois jeitos de explicar isso. Ou o interior de Minas Gerais era um dos pequenos refúgios – o que equipe considera menos provável, porque o folhelho de origem biológica se estende por quilômetros e quilômetros nos subsolo – ou a Bola de Neve foi menos radical do que se achava.

“A hipótese original sugeria condições extremas, que não seriam favoráveis à vida”, diz Kaufman. Havia até quem dissesse que esse aperto foi o responsável por pressionar a vida para alcançar formas mais complexas depois do evento. “Mas, se os oceanos tropicais ainda estavam abertos durante essas glaciações, eu não acho que esse aperto chegou a preocupar a vida”, conclui Kaufman. (Reinaldo José Lopes/ Folha Online)