Os Fulni-ô são o único povo indígena, em todo o Nordeste brasileiro, que conseguiu manter sua língua materna com bastante vitalidade. Praticamente todas as outras – e eram muitas quando os colonizadores chegaram – estão mortas.
“A manutenção do yathe, que está encravada no meio de população de língua portuguesa há séculos, é algo realmente extraordinário”, afirma Januacele da Costa, professora do Departamento de Lingüística da Ufal – Universidade Federal de Alagoas. “É possível comparar a sobrevivência desse idioma com o basco, uma língua também isolada, dentro dos territórios atuais da França e da Espanha.”
Se os Fulni-ô conseguiram resistir, e hoje possuem meios de exteriorizar melhor sua “indianidade”, em quase todas as outras tribos a saída surge apenas quando os lingüistas se aproximam e criam meios de difusão do idioma, que muitas vezes é apenas falado. Essa necessidade, por exemplo, levou a pedagoga, historiadora e indígena Maria Pankaruru, orientada por Januacele, a trabalhar em seu doutorado com a língua ofayé, tribo do interior do Mato Grosso do Sul.
“Essa língua é falada atualmente por apenas 11 pessoas. A tribo hoje tem 46 indígenas e outros 27 brancos que vivem lá devido aos casamentos interétnicos”, explica Maria, que atualmente é funcionária da Funai de Maceió.
O trabalho acadêmico da pesquisadora, defendido no dia 19 de abril, culminou com a criação de uma cartilha, que está sendo usada pela professora Marilda de Souza com dez crianças da tribo Ofayé. A pesquisa atingiu um nível muito maior do que a montagem do material didático. A primeira indígena doutora do Brasil fez uma espécie de gramática da língua estudada por ela.
“Esse é um trabalho que tenta colaborar para a preservação de uma língua indígena específica”, explica Maria. “O que ocorre muitas vezes é que as crianças indígenas estão aprendendo direto o português. Os país têm medo de que, se elas falarem apenas a língua indígena, sejam discriminadas nas escolas, pelos colegas. O problema é que o preconceito ocorre de qualquer forma, muitas vezes por parte do professor, mesmo que a criança fale apenas a língua oficial do Brasil”, afirma a pesquisadora indígena, que contou com uma bolsa financiada pela Fundação Ford, instituição que aqui no Brasil tem uma parceria com a Fundação Carlos Chagas.
Em sua própria trajetória – além das duas graduações e do mestrado, Maria estudou até a antiga sétima série em São Paulo, porque sua família resolveu deixar a tribo Pankararu, localizada no sertão pernambucano, devido à seca, mas depois voltou ao Nordeste – a pesquisadora admite que ouviu professores passarem aos seus alunos muitos dos estereótipos atrelados aos indígenas. “Isso existe, infelizmente”, afirma.
Apesar de ser de uma tribo com 4 mil pessoas ainda, que mantém vivo vários dos rituais feitos pelos antepassados, Maria Pankararu não poderá repetir seu trabalho lingüístico do doutorado na sua própria tribo. “Nós perdemos a nossa língua faz muitas gerações.” (Agência Fapesp)