O complexo de inferioridade do cerrado perto dos outros ecossistemas brasileiros pode não ter razão de ser. Pesquisadores concluíram um grande levantamento da diversidade de répteis do bioma e voltaram do campo com pelo menos 20 espécies novas de lagartos, cobras e assemelhados, confirmando que o cerrado é um viveiro de animais únicos e ainda desconhecidos.
“As espécies ainda nem têm nome, mas só de olhar para elas é meio óbvio que elas são desconhecidas. São linhagens bem diferenciadas”, declarou à Folha o herpetólogo (especialista em répteis) Cristiano Nogueira, analista de biodiversidade da ONG de pesquisa Conservação Internacional.
Entre os bichos novos, que ainda precisarão ser estudados de forma minuciosa para ganhar o nome duplo em latim das espécies descritas cientificamente, estão nove lagartos, nove serpentes e duas anfisbenas (mais conhecidas como cobras-de-duas-cabeças). Por enquanto, os bichos só são conhecidos pelo nome de seu gênero (grupo logo acima do nível de espécie; leões e tigres são do mesmo gênero, por exemplo).
Números absolutos
No todo, o trabalho de Nogueira e seus colegas fez subir para 236 o número de espécies de répteis no cerrado, depois de coletas em seis Estados (São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso) e no Distrito Federal.
Mais importante que isso, porém, é o chamado grau de endemismo dessa fauna. Um bicho endêmico existe num lugar e só nele: assim, o endemismo costuma ser usado como medida de quão insubstituível uma região natural é. Nesse ponto, o cerrado é ainda mais rico: 45% de seus lagartos, um quarto de suas cobras e mais de 60% de suas anfisbenas são endêmicos.
Para Nogueira, tanta variedade pode ser explicada pela falta de monotonia no cerrado. “Há uma variação grande de ambientes, desde matas de galeria, bem fechadas, passando por campos abertos e áreas rupestres [rochosas]”, explica. “E muitas vezes a transição entre essas áreas é muito próxima”, o que criaria oportunidades para a exploração de muitas combinações ambientais.
Os achados também documentam a história evolutiva dessa fauna. Uma das novas espécies, um lagartinho que pertence ao gênero Psilophthalmus, só tem parentes nas dunas do rio São Francisco. Pode ter havido uma conexão entre essas dunas e as áreas atuais de cerrado no passado, o que explicaria a presença de parentes próximos separados dessa maneira. Após a perda de contato entre as duas regiões, cada população teria seguido seu próprio caminho na evolução, acabando por transformar-se em espécies diferentes.
“Nenhum dos locais que nós estudamos deixou de trazer novidades”, conta o pesquisador. “Certamente mais coisas virão por aí, porque todas as regiões do cerrado têm seus endemismos.”
(Fonte: Reinaldo José Lopes / Folha de S.Paulo)