Por Achim Steiner e Ivo de Boer
No Rio Limpopo, um dos maiores do sul da África, crianças jogam um jogo de tabuleiro, literalmente, por suas vidas. Difundido em locais como Matabeleland, no Zimbábue e na Província de Gaza de Moçambique, o jogo utiliza a brincadeira para ensinar formas de reduzir a vulnerabilidade das cidades às enchentes.
No jogo, avança aquele que parar em um espaço em que há uma vila estruturada contra enchentes ou alguém advertindo sobre a locomoção para terrenos mais altos. Mas se o jogador se deparar com uma floresta dizimada ou outros fatores que aumentam a vulnerabilidade, ele deve voltar seis casas.
O jogo, parte de um projeto do Fundo Mundial para o Meio Ambiente, foi lançado depois da devastadora enchente de Limpopo, ocorrida há seis anos. Ele ressalta de uma maneira simples, mas pungente, os desafios que os países em desenvolvimento enfrentam ao se adaptarem aos efeitos das mudanças climáticas.
No início de novembro, representantes de diversos países estarão reunidos em Nairóbi, Quênia, para a próxima rodada de negociações sobre a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e o seu Protocolo de Kyoto.
O Protocolo de Kyoto, adotado em 97, estabeleceu que os países industrializados devem reduzir, no período de 2008 a 2012, 5% do nível de emissão de gases causadores de efeito estufa medido em 1990. O documento incentivou não apenas a transição para uma economia de baixos índices de carbono, como também investimentos em opções mais responsáveis.
Em relação aos países em desenvolvimento, o Protocolo formulou instrumentos, como por exemplo, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Ele permite a esses países compensarem emissões de carbono por meio de projetos florestais e de energias renováveis.
O grupo de países industrializados deve percorrer um longo caminho para cumprir as metas firmadas em Kyoto. É evidente que, no longo prazo, cortes de emissões mais intensos serão necessários, pois a poluição produzida por esse grupo já é suficiente para provocar alterações climáticas. Por esse motivo, ajudar os países em desenvolvimento a se adaptarem às possíveis mudanças é um dever de toda a comunidade internacional.
Os países menos desenvolvidos possuem ou estão preparando Programas Nacionais de Adaptação (PNAs), de acordo com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Um exemplo é Malawi, onde quase toda a vida existente necessitará de alguma medida de ‘proteção contra o clima’ dentro de alguns anos. Nesse país, secas e inundações aumentaram significativamente em freqüência e magnitude ao longo das últimas décadas.
Na década de 90, uma seca ameaçou diversas espécies de peixe do Lago Chilwa e, há seis anos, inundações destruíram diversas lagoas. O PNA de Malawi promove a recuperação das linhagens de peixes afetadas e um melhor entendimento sobre como mudanças podem prejudicar a reprodução de espécies fundamentais. O Programa também promove o reflorestamento de represas do Rio Shire, responsável pela produção da maior parte da eletricidade do país.
As mudanças têm se consolidado graças a investimentos em MDL e a doações para um fundo especial, que financia a implementação de atividades do PNA. Entretanto, essas fontes devem ser aumentadas para que haja resultados significativos nos países mais pobres do mundo.
Cientistas estimam que será necessário um corte de 60% a 80% na emissão de gases causadores do efeito estufa para estabilizar a atmosfera. Devemos permanecer firmes nesse objetivo. Do contrário, todos, tanto ricos como pobres, teremos cada vez mais pressão para nos adaptarmos e menos locais para nos refugiarmos. Teremos que jogar nossas próprias versões do jogo do Rio Limpopo e, como as crianças de seu leito, estaremos jogando por nossas próprias vidas.
Achim Steiner é Sub-Secretário-Geral das Nações Unidas e Diretor Executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente; Yvo de Boer é Secretário Executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC).
(Fonte: Informe PNUD Brasil / PNUMA)