Soja avança sobre o mercado do biodiesel

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva protagoniza nesta semana um ato simbólico a favor do grande capital do agronegócio e da soja como principal matriz energética do biodiesel.

Amanhã (hoje, segunda-feira), o petista desembarca no Estado de Mato Grosso e dorme na fazenda do governador local, Blairo Maggi (ex-PPS), um dos chamados “reis da soja” do Brasil. Na terça-feira, viaja até Barra dos Bugres (150 km a oeste de Cuiabá), onde participa da inauguração de uma usina de biodiesel cuja produção inicial será apenas a partir da soja.

Nas suas propagandas como candidato à reeleição, Lula apresentava o biodiesel como a solução futura para a escassez de petróleo e para a fixação dos trabalhadores no campo. O governo e sua maior estatal, a Petrobras, divulgaram a intenção do uso da mamona na produção do novo combustível. Essa semente seria produzida por famílias de agricultores.

Até agora, todos os empreendimentos que estão surgindo nessa área pretendem usar majoritariamente a soja para produzir o biodiesel. Só grandes grupos econômicos investem, e as poucas experiências com agricultura familiar e mamona começam a dar errado ou simplesmente não decolam, como constatou a Folha num assentamento no Piauí, um dos mais propagandeados pelo Planalto.

As esmagadoras de grãos já começaram a instalar unidades de produção do combustível e pressionam o governo para que antecipe o aumento da demanda pelo produto. A obrigatoriedade do uso está prevista para começar em 2008, com 2% de mistura do combustível vegetal ao diesel de petróleo.

O governo cede ao lobby. Já admite a possibilidade de antecipar a segunda parte do programa, inicialmente prevista para 2013, na qual a mistura obrigatória de biodiesel aumenta para 5%. A idéia é que a obrigatoriedade de 5% possa ser exigida em 2010. O mercado de biodiesel com 2% é de 1 bilhão de litros por ano. Com 5%, essa demanda cresce para até 2,7 bilhões de litros por ano.

Uma das principais indústrias do setor, a ADM (multinacional norte-americana) vai construir fábrica para a produção de biodiesel em Rondonópolis (MT) com uma capacidade anual de aproximadamente 180 milhões de litros. As brasileiras Granol (duas fábricas, 240 milhões de litros por ano), Caramuru (uma fábrica, 100 milhões de litros por ano) e Oleoplan (uma fábrica, 60 milhões de litros por ano) já estão instaladas.

O BNDES avalia que os investimentos no setor podem vir a se diversificar, mas reconhece que a maior parte dos projetos de financiamento de produção de biodiesel é de empresas que já atuam na produção de óleo de soja e querem alongar a cadeia produtiva.

Até outubro deste ano, o banco já havia contratado quatro projetos (dois da agroindústria da soja, com Granol e Caramuru) e aceito como participante do programa de biodiesel mais quatro, em um total de investimentos previsto de R$ 464 milhões.

Os industriais da soja esperam que, inicialmente, essa cultura responda por 90% do fornecimento de matéria-prima para produção de biodiesel. No médio prazo, teria entre 75% e 80% do mercado. O governo prevê que a soja fique com menos de 60%.

Na inauguração da usina em Barra dos Bugres, na terça-feira, Lula e Maggi participam de um evento mais que simbólico.

O grupo Maggi fechou contrato para fornecimento de óleo de soja para a Brasil Ecodiesel, empresa pioneira no programa, apoiada pelo governo e que, supostamente, estaria produzindo biodiesel a partir da mamona produzida por cooperativas no Piauí.

Na verdade, de acordo com relatório apresentado à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e ao mercado em geral, a Brasil Ecodiesel já informa que sua matéria-prima principal é o óleo de soja (97,2% dos custos de produção, contra 2,1% da mamona e 0,7% do algodão).

Incentivos

Além da indústria da soja, a Petrobras deve ter participação importante no mercado. A estatal está iniciando a construção de três usinas, analisa mais 15 projetos e tem como meta produzir 855 milhões de litros de biodiesel por ano até 2011.

O programa do governo é montado com incentivos fiscais para estimular a participação da agricultura familiar. Mas a agroindústria da soja já tem uma estratégia para prescindir desse incentivo: montar fábricas em locais distantes das refinarias da Petrobras, para que o preço do combustível vegetal fique mais competitivo em relação ao diesel de petróleo.

Segundo expectativa do próprio governo, a agricultura familiar deve ficar com cerca de 30% do negócio de fornecimento de matéria-prima para o biodiesel, enquanto o agronegócio ficará com 70% restantes.
(Fonte: Humberto Medina / Folha de S. Paulo)