Além das duas usinas que devem ser licitadas – no dia 10 de dezembro será a vez da hidrelétrica de Santo Antônio -, o plano prevê duas outras hidrelétricas e a criação de uma hidrovia que ligará Brasil, Peru e Bolívia e facilitará o escoamento de produtos brasileiros para os principais mercados mundiais.
“É uma barragem de geração, com possibilidade para aproveitamento de hidrovia. É uma tendência dos novos projetos, é o caso de Tucuruí (PA)”, diz Afonso Goulart, gerente regional de Furnas em Rondônia, referindo-se à hidrelétrica de Santo António. “Aqui tem também essa possibilidade desde que seja possível viabilizar isso tecnicamente e ambientalmente.”
Com a construção dos empreendimentos de Santo Antônio e Jirau, ficariam faltando apenas as usinas de Cachoeira de Ribeirão, que seria obrigatoriamente binacional pela proximidade com a Bolívia, e Cachuela Esperanza, em território boliviano, para que fosse possível navegar ao longo de 4,2 mil quilômetros pelos rios Madeira, Mamoré e Beni (Bolívia).
As obras cobririam de água as corredeiras do Rio Madeira e outros obstáculos naturais que hoje impedem a navegação. Seria ainda necessário construir eclusas, elevadores para as embarcações superarem os desníveis dos rios. Para o Brasil, a hidrovia significaria o escoamento mais barato da soja e da madeira, entre outros produtos.
O Complexo Madeira está inserido nos projetos da Iniciativa de Integração de Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), mecanismo firmado em 2000 pelos presidentes dos 12 países da América do Sul, para incentivar a integração física e econômica da região.
Para a Federação das Indústrias de Rondônia (Fiero), a aproximação da região amazônica com os países andinos faz mais sentido do que uma tentativa de integração com os mercados mais industrializados do sul do país.
“Para a economia de Rondônia, para o estágio em que se encontra, é muito mais razoável pensar em uma integração com esses países que têm uma economia mais parecida com a nossa. Sob certos aspectos, são complementares. Se conseguirmos essa integração, ela será mais fácil e (terá) resultados mais visíveis do que a gente pensar em produzir e levar para o mercado de Rio, São Paulo, Minas”, afirma Antonio Marrocos, um dos diretores da Fiero.
Mas os críticos da iniciativa condenam o fato de que um projeto dessa magnitude esteja avançando sem o que acreditam ser um processo de discussão amplo com a sociedade dos países envolvidos.
“A sociedade está ficando a reboque desse processo. Não está discutindo os processos, está sendo levada a apoiar”, diz o historiador Iremar Ferreira, da Campanha Rio Madeira Vivo, rede de organizações não-governamentais contra as usinas do Madeira.
A organização Amigos da Terra, por exemplo, afirma que, ao baratear o custo da soja, a hidrovia favoreceria ainda a substituição de ecossistemas amazônicos por lavouras – que hoje já representa uma das principais pressões pelo desmatamento.
A remoção de obstáculos naturais também é vista com preocupação por cientistas que trabalham na Amazônia, como o biólogo holandês Marc van Roosmalen, autor da descoberta de diversas espécies na região do rio Madeira.
“O Madeira é o mais importante rio após o Amazonas na história da Amazônia como barreira geológica para explicar todas as descobertas. Se eles mexerem lá, o rio é tão importante que mexe com tudo. Eles (os defensores do projeto) não entendem nada de sistemas geomorfológicos, é altamente perigoso mexer com isso”, diz Roosmalen.
Os ambientalistas criticam ainda o fato de os estudos de impacto ambiental não terem abrangido todo o projeto, mas apenas as duas usinas do Madeira. Um exemplo, dizem eles, é o fato de que nem mesmo os 2.450 quilômetros de linhas de transmissão, indispensáveis para levar a energia produzida aos mercados do sudeste, foram incluídas nos estudos nos quais foi baseada a emissão da licença prévia, pelo Ibama.
Para os críticos, trata-se de uma estratégia de aprovar o projeto em etapas para que não seja discutido com a devida clareza os impactos que todo o complexo teria.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, diz que o debate será feito quando for proposta a construção das eclusas que viabilizariam a hidrovia.
“A eclusa não está prevista, a base, sim. É uma questão à parte, terá que haver um debate caso se considere oportuno, no momento que for, mas não existe uma decisão sobre as eclusas”, afirma Tolmasquim.
Para Marrocos, da Fiero, porém, se não fossem as hidrelétricas e o Complexo do Madeira, seria preciso pensar numa forma alternativa de desenvolver a região.
“Esse é o caminho natural do avanço do homem no Brasil, a não ser que nós pudéssemos imaginar cercar a Amazônia. ‘Ninguém entra, ninguém derruba, ninguém abre caminho’, mas para isso nós vamos ter que encontrar solução para toda essa população no restante do Brasil.”
Como projeto apoiado pela IIRSA, as usinas do Madeira deverão receber financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimenro), do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e da Corporação Andina de Fomento (CAF). (Estadão Online)