Brasil registra número recorde de intoxicações por medicamentos

Um antibiótico para dor de garganta e um xampu contra piolhos fizeram o ator Reynaldo Gianecchini e a pequena moradora da zona norte Jennifer Freire, de 3 anos, entrarem para a mesma turma. Na última semana, os dois foram vítimas de intoxicação por remédios e, agora, engrossam a estatística crescente desse tipo de reação adversa.

O último relatório da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), ainda não publicado, revela que as intoxicações por remédio bateram recorde. Em todo País, foram 32.884 casos diagnosticados, uma média de três ocorrências por hora. São Paulo lidera a lista, com 41% dos casos (13.471). Desde o ano 2000, é a primeira vez que o número supera a marca das 10 mil reações. Os dados foram coletados em 2006. As primeiras informações apontam aumento de 30% em relação ao ano anterior, quando foram registrados 25.179 casos no Brasil.

Para especialistas, um dos motivos que explicam o aumento de intoxicação também justifica a posição do Estado no topo do ranking brasileiro. Quanto melhor o sistema de notificação, maior a estatística.

É consenso entre as entidades de saúde que a proliferação de usuários intoxicados por remédios resulta do consumo excessivo, falta de conhecimento sobre as contra-indicações e automedicação. No caso de Gianecchini, por exemplo, foi o desconhecimento de sua alergia à penicilina, um dos componentes do remédio receitado pelo médico, que provocou a reação. Já a menina Jennifer não passou por avaliação clínica antes de usar o produto. “Fui na farmácia, comprei o remédio. Já no banho ela começou a gritar. Está cheia de manchas e a coceira se espalhou para o corpo todo”, conta a mãe.

“A cultura de automedicação no Brasil é perversa. Farmácias vendem remédios como qualquer mercadoria”, lamenta Francisco Júnior, presidente do Conselho Nacional de Saúde.

Outro agravante foi identificado no estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Na avaliação de 19 embalagens de remédios, alguns deles de tarja preta, foi constatado que as bulas têm informações incompletas e até incentivam a automedicação. “Na maioria, não constavam todas as contra-indicações, algumas até ignoravam a necessidade de recomendação médica “, fala a coordenadora do Idec, Karina Grou.

Para o médico Antônio Barbosa Silva, do Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos, a orientação clínica é ignorada pela maior parte das farmácias. “E as medicações são comercializadas antes de estudos consistentes. Os brasileiros acabam como cobaias da indústria farmacêutica.”

Em um estudo com 776 famílias, a pesquisadora da Unicamp Francis Tourinho concluiu que quase 60% das crianças e adolescentes são adeptos da automedicação. “Diante da dificuldade para conseguir consulta no serviço público, o doente muitas vezes não encontra outra solução além de tomar remédio por conta própria”, diz ela que constatou que a prática é 1,5 vez maior em usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).
(Fonte: Fernanda Aranda / Estadao.com.br)