Tecnicamente, o réptil em questão é um gavial – uma forma esquisitona de crocodiliano com o focinho fino e alongado, que ainda existe na Índia e em países vizinhos. “Todos os dentes são iguais, característica que está associada ao consumo de peixes”, explica Douglas Riff, pesquisador do Departamento de Ciências Naturais da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e um dos responsáveis pela descrição da nova espécie.
Riff e seu colega venezuelano Orangel Aguilera, da Universidade Nacional Experimental Francisco de Miranda, acabam de apresentar o monstro à comunidade científica em artigo na revista especializada alemã “Paläontologische Zeitschrift”. A criatura foi encontrada na chamada formação Urumaco, uma camada geológica do noroeste da Venezuela com idade estimada em 8 milhões. Aparentemente, o bicho vivia num ambiente litorâneo, com savanas, rios de água doce e o mar logo ali do lado.
Parceria – De acordo com Riff, a relativa escassez de paleontólogos na Venezuela, aliada à riqueza de fósseis na região, levou Aguilera, que já conhecia o brasileiro após passar uma temporada no Rio, a firmar uma parceria para a descrição dos espécimes do supercrocodilo. A descrição da espécie foi feita com base em dois crânios (um deles completo) e uma mandíbula. Usando um cálculo comparativo, que leva em conta as espécies modernas, foi possível chegar ao tamanho estimado de 10,15 m (um dos indivíduos é um pouco menor).
A principal diferença entre o supergavial venezuelano e outros membros de seu grupo é o menor número de dentes, além de uma série de detalhes cranianos. O certo, porém, é que o bicho e seus primos da América do Sul (incluindo uma espécie do Brasil) têm como parentes próximos… os gaviais da Índia, vivos ainda hoje. O que, segundo Riff, pode ocasionar uma reviravolta nas idéias sobre como a distribuição atual desses bichos surgiu.
“Tradicionalmente, as pessoas costumavam dizer que os gaviais chegaram à América do Sul por uma migração transoceânica. Eles teriam vindo nadando pelo Atlântico, saídos da África, que durante o Eoceno [há uns 50 milhões de anos] estaria a uma distância menor daqui”, diz o paleontólogo. “O problema é que os gaviais modernos estão adaptados a nadar em água salgada; são espécies de rio. Seriam necessárias glândulas especiais para se livrar do sal, por exemplo.”
Diante disso, Riff considera mais provável que o grupo tenha surgido em plena Era dos Dinossauros, quando América do Sul, África, Índia, Antártida, Austrália e Madagascar estavam grudadas num só supercontinente. Conforme cada pedaço dessa massa de terra foi se separando dos demais, os crocodilos foram ficando “ilhados”, seguindo seu próprio caminho evolutivo – e se extinguindo, exceto os que estão na Índia e adjacências até hoje. Uma pesquisa recente identificou um gavial marroquino do Cretáceo Superior, perto da época em que um asteróide teria exterminado os dinos.
Em ordem – De fato, a ordem de parentesco parece bater com a ordem da fragmentação do antigo supercontinente. A África, por exemplo, desligou-se primeiro – e os gaviais fósseis de lá são parentes mais distantes dos sul-americanos do que as espécies asiáticas.
Segundo Riff, a extinção seletiva de gaviais tão gigantescos na América do Sul não é de estranhar. Há 8 milhões de anos, eles e outros animais de porte enorme povoavam planícies alagadas na Venezuela e também na Amazônia brasileira. Mudanças climáticas, no entanto, acabaram alterando a paisagem e criando zonas de mata fechada, menos favoráveis a criaturas avantajadas. De fato, tartarugas gigantes, roedores do tamanho de um búfalo e outros monstros amazônicos se extinguiram mais ou menos na mesma época que o Gryposuchus croizati. (Fonte: Reinaldo José Lopez/ G1)