O estatístico dinamarquês, um dos mais ilustres céticos da mudança climática, respondeu que não acreditava nesse tipo de conta. “Se é tão barato, por que ninguém está fazendo?”
No segundo parágrafo de seu livro “Cool It – Muita Calma Nessa Hora!”, recém-lançado no Brasil (Campus/Elsevier, 224 págs., R$ 59,90), Lomborg parece cair vítima do próprio argumento. Diz que a “histeria e o gasto desenfreado” com programas “extravagantes” de corte de CO2 são uma escolha questionável num mundo em que “milhões morrem de doenças tratáveis e onde é possível salvar vidas, fortalecer a sociedade e melhorar o meio ambiente por uma fração do custo”. Ora, é caso de perguntar: se é tão barato, por que ninguém está fazendo?
Esse tropeço na lógica é só o aperitivo do que aguarda o leitor que for buscar em “Cool It” um antídoto saudável contra a suposta histeria ambientalista. Ele encontrará um malabarismo com números que dá razão à máxima de Benjamin Disraeli sobre os três tipos de mentira: há as mentiras, as mentiras deslavadas e as estatísticas.
Lomborg ganhou projeção mundial em 2001, com o livro “O Ambientalista Cético”. Na obra, de 515 páginas e 2.930 notas de rodapé, o dinamarquês abusa das estatísticas para argumentar que a Terra não está atravessando uma crise ambiental e chama o alarmismo ambientalista de “Ladainha”.
Em “Cool It”, o “cético” centra fogo no tema da mudança climática, batendo na mesma tecla: o custo trilionário de cortar emissões não vale o benefício pequeno de um mundo “ligeiramente” menos quente no futuro. Como os recursos financeiros do planeta são limitados, melhor aplicá-los em coisas que salvarão mais vidas e tornarão a sociedade mais rica, como o combate à Aids.
Para provar sua tese, Lomborg recorre aos mesmos velhos truques: afogar o leitor com números e notas de rodapé (aqui são “apenas” 607), selecionar cuidadosamente as evidências e passar de contrabando uma série de falácias argumentativas em meio a um ou outro ponto razoável.
Urso-de-batalha – Um exemplo é o caso dos ursos-polares. Segundo o autor, o corte de emissões de gases-estufa salvaria 0,06 urso por ano – é o total de declínio da espécie que poderia hoje ser atribuído à mudança climática. Por outro lado, 49 ursos são mortos a tiros todo ano.
Conclusão: se quisermos ajudar os ursos, devemos parar de atirar neles em vez de gastar trilhões de dólares para cortar os gases que causam o degelo do Ártico.
A proposta faz pleno sentido. A menos, claro, que se considere que um eventual degelo total no futuro acabaria com os ursos de qualquer maneira, tornando inútil a economia de balas. Espertamente, Lomborg omite a projeção de futuro.
Em outras passagens, o autor seleciona projeções do IPCC para estendê-las ao absurdo. O degelo acelerado do Himalaia, por exemplo, é apresentado como uma coisa boa, porque, afinal, aumentará a quantidade de água disponível no verão para a China e a Índia antes que os glaciares que alimentam os rios asiáticos se acabem. “Assim, (…) boa parte do mundo poderá usar mais água durante mais de cinqüenta anos.”
Adiante, numa cena de circularidade explícita, Lomborg primeiro nega que a mudança climática vá causar o enfraquecimento da corrente do Golfo, algo que faria a Europa mergulhar numa era glacial. Mas, se isso acontecesse, seria uma “vantagem”: afinal, com o aquecimento global a Europa ficaria mais quente, não é? Pois então: com a corrente do Golfo mais fraca, a Europa ficaria menos quente. Portanto, seguindo esse raciocínio, o melhor remédio contra o aquecimento global é o próprio aquecimento global (!).
Lomborg ataca, corretamente, os custos altos e os benefícios pífios de Kyoto na redução das temperaturas no século 21. Segundo suas contas, Kyoto adiaria a catástrofe em apenas sete dias.
Mas aí ele estende a crítica a qualquer outro acordo futuro que aumente os benefícios ao reduzir mais estritamente as temperaturas no fim do século. Pior, argumenta que o corte radical de emissões ceifará 3% do PIB mundial por ano até 2030, quando o IPCC diz que esse será o gasto máximo total no período.
A fúria estatística boboca de Lomborg deixa a questão de 1 trilhão de dólares sem resposta: por que, afinal, ninguém está fazendo nada para salvar o planeta investindo em políticas sociais, como ele sugere?
Um cínico diria que, na área social assim como no clima, corrigir distorções de mercado (“fazer o bem”, nas palavras do autor) requer um bom dedo de regulação. Palavra que não agrada ao público fiel que o dinamarquês tem em Washington – e que a ele recorre sempre que precisa de uma desculpa sexy para poluir à vontade. (Fonte: Claudio Angelo/ Folha Online)