STF deve aprovar aborto de anencéfalo por 11 a 0, diz ministro

Onze a zero. É esse o placar esperado pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), na votação sobre a descriminalização do aborto em casos de anencefalia. “Um placar acachapante”, disse o relator do caso, referindo-se a posição dos 11 ministros da Corte.

Das nove exposições feitas pela comunidade científica nesta quinta-feira (28) sete foram favoráveis ao direito da mulher de decidir abortar em casos de anencefalia e apenas dois – o da Frente Parlamentar em Defesa da Vida Contra o Aborto e o do Movimento Nacional da Cidadania em Defesa da Vida Brasil sem Aborto – foram contra a proposta.

Nesta quinta-feira médicos obstetras e especialistas em genética e medicina fetal asseguraram no STF que bebês com anencefalia não têm nenhuma chance de sobreviver. “(A anencefalia é) Letal em 100% dos casos quando o diagnóstico é correto”, afirmou o médico e deputado federal José Aristodemo Pinotti durante audiência pública promovida ontem no STF para discutir a liberação da interrupção de gestações de fetos com anencefalia.

Além das chances nulas de sobrevivência, os especialistas disseram que a manutenção das gestações coloca em risco a saúde e a vida das mães que estão gerando um feto com a anomalia. Na audiência, foram divulgadas fotos impactantes de bebês com anencefalia.

“Apenas constato que a comunidade científica é a favor dessa interrupção. Vivemos sob a égide não do direito canônico mas do direito em si, elaborado pelo Congresso Nacional”, disse o ministro.

Durante as exposições, o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero – Anis divulgou que nos três meses em que vigorou liminar concedida por Mello, que autorizava a interrupção da gravidez, 58 mulheres que carregavam fetos anencéfalos foram beneficiadas.

Para o ministro, o número pode ter sido ainda maior, já que a freqüência em casos de anencefalia constitui um em cada mil partos.

“A suspensão da liminar deixou as gestantes de fetos anencéfalos na via crucis. Creio que as premissas da liminar são mais as que mais consentem com a Constituição Federal e com os anseios da nossa sociedade, que devem ser considerados .”

Ao comentar a possibilidade de o Poder Judiciário estar “legislando” ao julgar matérias como a interrupção de gravidez em casos de anencefalia, ele rebateu as críticas e avaliou como uma “visão míope”.

“Não somos legisladores. Estamos interpretando o arcabouço normativo de forma integrativa, tornando algo eficaz. Atuamos a partir do direito posto pelos congressistas. Há muita gente no Brasil pouco habituada a respeitar regras, principalmente no campo público.”

A audiência servirá de base para o julgamento de uma ação na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) pede que sejam liberados os procedimentos. O julgamento está previsto para ocorrer até o final deste semestre. Heverton Peterssen, da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, garantiu que a menina Marcela de Jesus, que foi diagnosticada como anencefalia e viveu 1 ano e 8 meses, não era portadora da anomalia. Segundo ele, Marcela tinha meroencefalia, anomalia na qual há resquícios do tecido cerebral . Na anencefalia, isso não existe.

A história de sobrevivência de Marcela é um dos principais argumentos usados pela ala contraria à interrupção das gestações de anencéfalos para convencer o STF a não legalizar a prática em todo o País. “Houve um erro de diagnóstico no caso da Marcela. Não era um feto anencéfalo”, confirmou Pinotti. Peterssen informou que a anencefalia pode ser diagnosticada com cem porcento de segurança a partir da 8a. semana de gestação. Isso não era possível na década de 40, quando foi editado o Código Penal, segundo o qual não será punido o aborto de feto resultante de estupro ou quando houver risco de morte da mãe.

A defesa da manutenção das gestações de fetos com anencefalia foi feita ontem pelo deputado federal Luiz Bassuma (PT-BA), da Frente Parlamentar em Defesa da Vida – Contra o Aborto, e pela professora de biologia molecular da Universidade de Brasília Lenise Aparecida Martins Garcia, que também é presidente do Movimento Nacional da Cidadania em Defesa da Vida – Brasil sem Aborto. Lenise disse que os bebês com anencefalia são deficientes, mas não são mortos-vivos. Na próxima semana será promovida mais uma audiência sobre anencefalia no STF. Serão ouvidos representantes da sociedade. (Fonte: Mariângela Gallucci/ Estadão Online)