Para Marcos Vinicius Neves, historiador e arqueólogo, atualmente exercendo a função de diretor-presidente da Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil, existe uma ameaça ainda mais perigosa do que essas de caráter físico, que são as oriundas daquilo que chama de má interpretação dos sítios. “Uma divulgação de caráter sensacionalista atrai um tipo de público que não está interessado na conservação dos sítios, mas sim em sua exploração indiscriminada e feita sem critérios científicos para tirar deles o máximo de proveito e lucro. Com isso passam a ser atraídos para esses sítios pessoas místicas e aventureiros de todas as naturezas, além do que a sociedade local cria uma imagem distorcida de sua existência e importância, prejudicando sensivelmente os processos de educação patrimonial”, explica
Segundo especialistas, outro risco iminente aos sítios arqueológicos é a construção/pavimentação da BR-317, que ligará o Acre ao Pacífico e passará pela área de maior concentração de geoglifos do Estado, trazendo consigo todos os problemas que as estradas causam na Amazônia: desmatamento, ocupação desordenada, entre outros.
Histórico – Descobertos em 1977 pelo professor Ondemar Dias e uma equipe do Instituto de Arqueologia Brasileira do Rio de Janeiro, os geoglifos acreanos são valetas escavadas na terra que formam figuras geométricas, como círculos e quadrados, de dimensões e diâmetros variados. Em algumas regiões essas figuras são ligadas por estradas, caminhos que atingem até três quilômetros de extensão. Alguns arqueólogos acham possível utilizar esse termo – geoglifo – para designar esse tipo de sítio arqueológico, enquanto outros acham inadequado. “Usando um ou outro nome, o mais importante é o sentido com que usamos tais nomenclaturas”, diz Neves.
Os sítios apresentam ocorrência ampla, numa área que se estende do norte da Bolívia até o sul do Amazonas, passando pelos vales dos rios Acre, Purus e Iquiri no Estado do Acre. No sentido leste-oeste eles vão de Sena Madureira até Rondônia. Por conta dessa dimensão territorial, muitos estudos ainda estão sendo feitos na área. Até agora já foram identificados ao menos cem estruturas desse tipo.
Dentre as possíveis explicações até agora aventadas para a utilização feita dos geoglifos pelos habitantes do passado, destacam-se três: a primeira diz que as estruturas de terra foram feitas para defesa os povos que ali habitavam; outra sustenta que os sítios tinham função econômica (determinadas técnicas de plantio ou criação de animais); e a terceira alega que tinham finalidade simbólica para os povos que as construíram. Segundo Neves, seria prematuro afirmar categoricamente qualquer uma dessas alternativas como verdadeira. O momento é para novos questionamentos, e nem mesmo o uso combinado das possibilidades acima descritas está descartado.
Para o arqueólogo, “é importante entender que o sítio arqueológico por si só ou o material que nele ocorre são inexpressivos até que se realizem pesquisas que valorem essas ocorrências. Entretanto, cabe ressaltar que todas as atividades desenvolvidas pelos homens, qualquer ação que remova material, que perturbe o contexto original de deposição do material arqueológico no solo e o desmatamento dessas áreas que expõe os sítios a processos de erosão mais intensos trazem prejuízos, muitas vezes irreparáveis à possibilidade de estudo e interpretação deles pela ciência”.
Conhecimento perdido – Com a destruição dos geoglifos, a perda de conhecimentos a respeito da floresta seria significativa. Um extenso leque de saberes sobre o funcionamento e melhor aproveitamento dos recursos da floresta pode se perder, sem a devida compreensão dos Longos processos de ocupação e transformação do meio em sua relação com as sociedades.
“Muito do que se pretende fazer na Amazônia já foi feito algum dia pelas sociedades que aqui viveram nos últimos milênios: manejo florestal como instrumento de conservação ambiental não é nenhuma novidade (apesar das aparências contrárias). Dito de outra forma, as sociedades indígenas têm direito à sua própria história, que não começa há apenas quinhentos anos e isso tem sido sistematicamente negado por nossa sociedade. Com essas pesquisas poderemos, enfim, aprender a viver melhor junto à floresta (o que não é possível sem ela como acreditam alguns desenvolvimentistas)” fala Marcos Neves.
O que fazer? – Uma das alternativas para evitar essa destruição dos sítios seria o incentivo ao turismo arqueológico não predatório. Entretanto, mais do que isso, se faz necessário um trabalho junto às comunidades locais que enfatize a importância dos geoglifos como fonte de autoconhecimento delas, de resgate de suas raízes, ao invés de enxergar apenas as possibilidades de negócio envolvidas.
Neves alerta que para se abrir um desses sítios à visitação pública de forma segura e sem depredá-lo é preciso primeiro um alto investimento em pesquisa e implantação de infra-estrutura para a visitação (sinalização, passarelas, cercas, etc.), “além de ser um trabalho de médio e longo prazo (com objetivos de curto prazo a emenda pode sair pior que o soneto)”.
Existe ainda o programa de Educação Patrimonial, que está em sua fase inicial de implantação por meio de ações isoladas e considera a necessidade de atingir as comunidades do entorno desses sítios, visando a sensibilizá-la para a importância histórica dos vestígios. O governo do Estado sinalizou alguns sítios ao longo da BR-317 com informações de contextualização e da legislação vigente. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Acre (IPHAN-Acre) produziu uma pequena cartilha situando corretamente as informações disponíveis acerca desses sítios. Mas tudo em caráter experimental. “Será necessária uma ampla articulação institucional (para evitar sobreposições e lacunas), bem como uma ação de longo prazo para que esse processo de Educação Patrimonial dê frutos consistentes”, diz Neves. (Fonte: Filippo Cecilio/ Amazônia.org)