Há 14,7 mil anos as águas do Atlântico Norte aqueceram 9°C em duas décadas. Para que se tenha uma idéia, desde o início da Revolução Industrial, no século 18, a ação humana aumentou a temperatura da Terra em 0,7°C, com impactos ambientais significativos.
A descoberta é parte da tese de doutorado de Cristiano Chiessi, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e foi publicada na edição de dezembro da revista científica Geology. Chiessi voltou ao Brasil há dois meses, depois de concluir suas pesquisas no Centro de Ciências Ambientais Marinhas da Universidade de Bremen.
Carapaças – Os cientistas já estudam há muito tempo o evento de Bölling, como é conhecido o fenômeno descrito por Chiessi. O pesquisador brasileiro procurou no litoral gaúcho as causas do aquecimento nos mares do norte.
Carapaças de microrganismos depositadas no fundo do mar ofereceram as informações necessárias para descrever as variações de salinidade e temperatura nos últimos 20 mil anos. As duas variáveis exercem influência direta nas correntes marítimas.
O princípio das mudanças foi a deglaciação na costa americana: a água doce invadiu o oceano e diminuiu a salinidade na região acima do Equador. Como conseqüência, as correntes marítimas entre os dois hemisférios cessaram e todo calor ficou represado no sul.
Observando as carapaças dos microrganismos, os cientistas identificaram um pequeno aquecimento na costa sul-africana, que abriu uma “avenida” para uma corrente vinda do Oceano Índico, rica em sal. Ela percorreu a costa da América do Sul e alterou radicalmente a dinâmica da temperatura e da salinidade no Norte. As correntes marítimas foram reativadas e o calor armazenado no sul migrou para o norte.
Mecanismo controlador – O pesquisador Pedro Leite da Silva Dias, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), aponta que os resultados obtidos “comprovam a importância da circulação oceânica no Atlântico como mecanismo controlador do clima terrestre”. Dias recorda que há 11 mil anos ocorreu um evento semelhante de mudança climática abrupta no Atlântico Norte, conhecido como Dryas Recente, mais estudado pelos cientistas do que o evento de Bölling.
Para Chiessi, a descoberta não possui apenas um valor de curiosidade histórica. “O artigo publicado ajuda a compreender o que está em jogo quando falamos de mudanças climáticas”, afirma Chiessi. “Mostra como uma pequena variação na temperatura de uma região pode gerar um efeito praticamente imprevisível do outro lado do planeta. (Fonte: Alexandre Gonçalves/Estadão Online)