As lágrimas lubrificam músicas de amor e amores, casamentos e funerais, rituais públicos e dores particulares, e talvez nenhum estudo científico possa capturar seus vários significados.
“Choro quando estou feliz, quando estou triste, posso chorar quando compartilho algo de grande importância para mim”, disse Nancy Reiley, 62 anos, que trabalha em um abrigo para mulheres em Tampa, na Flórida.
“E, por alguma razão, às vezes choro quando estou em uma situação em que tenho de falar em público. Não tem nada a ver com se sentir triste ou vulnerável. Não consigo imaginar uma razão pela qual isso acontece, mas acontece.”
Agora, alguns pesquisadores afirmam que o conhecimento psicológico comum sobre o choro – chorar como uma catarse saudável – é incompleto e equivocado.
Ter um “bom choro” pode e geralmente permite às pessoas recuperarem algum equilíbrio mental após uma perda. Porém, não é sempre que isso ocorre, nem com qualquer pessoa, argumenta um artigo analítico na edição atual do “Current Directions in Psychological Science”. Colocar tantas expectativas em um colapso banhado a lágrimas, na maioria das vezes, tende a deixar algumas pessoas, logo em seguida, em estado de confusão mental.
Problemas com estudos anteriores – Esse alerta para uma visão mais detalhada do choro deriva em parte de uma crítica feita a estudos anteriores. Durante anos, psicólogos confirmaram muitas observações comuns sobre o choro. Ele é contagiante. Mulheres irrompem em lágrimas mais facilmente e mais frequentemente que homens, por razões possivelmente tanto bioquímicas quanto culturais. A experiência física reflete a psicológica: os batimentos cardíacos se aceleram e a respiração se exalta durante a tempestade de lágrimas, para, logo depois, diminuírem gradualmente à medida que o cenário se tranquiliza. Quando questionada sobre episódios de choro, a maioria das pessoas, como era de se esperar, insistem que o ato de chorar serve para absorver um grande golpe, para se sentir melhor e até para pensar com mais clareza sobre algo ou alguém que elas perderam.
Pelo menos, essa é a forma lembrada por elas – e essa é a dificuldade, afirmou Jonathan Rottenberg, psicólogo da Universidade do Sul da Flórida e co-autor da análise. “Muitos dos dados apoiando o conhecimento convencional é baseado em pessoas relembrando o tempo passado”, disse Rottenberg, “e estão contaminadas pelas crenças das pessoas sobre o que o choro pode fazer por elas.”
Assim como pesquisadores descobriram que as pessoas tendem, com o tempo, a se lembrar seletivamente dos melhores momentos de suas férias (o bar da piscina e as baladas) e esquecer as dores de cabeça, o choro também pode parecer catártico em retrospecto. As memórias organizam os episódios misturados – as ocasiões quando o choro trouxe mais vergonha do que alívio, mais tristeza do que companhia.
Uma nova visão – Em um estudo publicado na edição de dezembro do “The Journal of Social and Clinical Psychology”, Rottenberg, junto com Lauren M. Bylsma, da Universidade do Sul da Flórida, e Ad Vingerhoet, da Tilburg University, na Holanda, pediram a 5.096 pessoas em 35 países para detalhar as circunstâncias de seus episódios de choro mais recentes. Cerca de 70% dos participantes afirmaram que a reação dos outros ao seu colapso de lágrimas foi positivo, confortante. No entanto, cerca de 16% das pessoas citaram reações desagradáveis e raivosas que, como era de se esperar, geralmente as fazem se sentir piores.
Considerado o fato de que a função social mais óbvia do choro é ganhar apoio e empatia, o impacto emocional das lágrimas depende em parte de quem está por perto e o que eles fazem. O estudo descobriu que chorar com apenas uma pessoa presente tinha significativamente mais probabilidade de produzir um efeito catártico do que fazê-lo diante de um grande grupo.
“Quase todas as emoções são, em algum aspecto, direcionada aos outros, então a resposta deles é muito importante”, explicou James J. Gross, psicólogo de Stanford.
A experiência do choro também varia de pessoa para pessoa, e algumas têm mais tendências a encontrar a catarse do que outras. Em estúdios em laboratório, psicólogos induzem o choro ao mostrar aos participantes pequenos trechos de cenas de filmes muito tristes, como “O Campeão” ou “Flores de Aço”. Aqueles que entram em colapso – geralmente cerca de 40% das mulheres, muito poucos homens – depois relatam diretamente a experiência. Esse tipo de estudo, apesar de ser uma simulação da experiência vivida, sugere que as pessoas com sintomas de depressão e ansiedade não ficam tão emocionadas, nem se recuperam tão rápido, quanto a maioria das pessoas. A pesquisa também indica que essas pessoas têm menos probabilidade de relatar benefícios psicológicos resultantes do choro.
Confusão – Pessoas confusas quanto às origens de suas próprias emoções – uma condição, em casos extremos, chamada de alexitimia – também tendem a relatar poucos benefícios resultantes de uma explosão de lágrimas, descobriram estudos. Isso faz sentido. Um dos propósitos do choro pode ser bloquear o pensamento, para efetivamente vedar o fluxo de perguntas sem respostas que vem com qualquer grande perda, para melhor esclarecer aquelas mais importantes ou mais práticas. Se esse sistema psicológico já está atrapalhado, um rio de lágrimas provavelmente não vai melhorar a situação.
Em seu livro “Seeing Through Tears: Crying and Attachment”, Judith Kay Nelson, terapeuta e professora em Berkeley, Califórnia, argumenta que a experiência de chorar está enraizada na infância primária e na relação da pessoa com seus primeiros responsáveis, geralmente um dos pais. Aquelas pessoas cujos pais foram atenciosos, confortando seu choro quando necessário, tendem a achar que o choro também as oferece consolo quando adultas. Aqueles cujos pais evitavam se envolver, se irritavam ou ficavam exageradamente angustiados com o choro da criança, frequentemente têm mais dificuldade de serem consolados quando adultos.
“Chorar, para uma criança, é uma forma de chamar a atenção do responsável por ela, de manter a proximidade e usar o responsável para regular o despertar de humor positivo ou negativo”, disse Nelson, em entrevista por telefone. Aquelas pessoas que crescem sem ter a certeza de quando ou se esse conforto estará disponível podem, quando adultos, ficar presos no que ela chama de choro de protesto – os berros desesperados da criança por alguém capaz de consertar o problema, reverter a perda.
“Você não consegue superar a tristeza se está preso no choro de protesto, que se trata de consertar, desfazer a perda”, disse Nelson. “Na terapia – assim como em relacionamentos próximos – o choro de protesto é muito difícil de confortar, porque não podemos fazer nada certo, não podemos desfazer a perda. Por outro lado, o choro triste que é um apelo pelo conforto de um ser amado é um caminho para a proximidade e a recuperação”.
As lágrimas limpam, tudo bem. Mas, como um dilúvio, também podem fazer com que uma pessoa se sinta naufragada, encharcada. (Fonte: G1)