Os médicos disseram que 85% das mulheres com o diagnóstico quiseram interromper a gestação. No entanto, afirmam que apenas 37% conseguiram autorização judicial. O restante recorreu a um aborto inseguro ou esperou até o fim. Esses dados são de uma pesquisa da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) com a Universidade de Brasília (UnB) e o Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva, ligado à Unicamp. A amostra foi feita com 1.814 médicos no País, de um total de 15 mil.
“A pesquisa mostra o quanto a anencefalia aparece na saúde e a importância de o STF se posicionar sobre o tema”, afirma o ginecologista e obstetra Cristião Rosas, da Febrasgo, um dos responsáveis pelo estudo. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar nos próximos meses ação que prevê permissão da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia. Anteontem, representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) estiveram no Supremo para reiterar a posição contrária ao aborto.
Há três anos, pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que a interrupção nesses casos era proibida apenas no Oriente Médio e na África. “A grande maioria dos médicos já teve experiência com a anencefalia, o que mostra que, mesmo não sendo tão comum, a questão faz parte da vida reprodutiva das mulheres e elas têm dificuldades em conseguir o amparo da Justiça”, defende a antropóloga Débora Diniz, da UnB e da organização Anis. Estudo do Programa de Apoio a Projetos em Sexualidade e Saúde Reprodutiva (Prosare), ligado ao Cebrap, encontrou, entre 2001 e 2006, 46 pedidos de interrupção nos Tribunais de Justiça do País. Em 54% dos casos, a decisão foi favorável à mulher. Em outros 35% foi negado.
Dados do Sistema Único de Saúde apontaram que em 2007, último ano com informações disponíveis, duas crianças por dia nasceram com anencefalia no Brasil – e morreram na mesma data. Em razão disso, os números sobre o problema do DataSUS, que recolhe informações da rede pública, ficam no registro de mortalidade. O número de óbitos está estável nos últimos anos: 545 em 2005, 595 em 2006 e 563 em 2007. Para Salmo Raskin, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, podem ocorrer três por dia, isso em razão de dados de literatura apontarem um caso para cada mil nascimentos.
“Meu chão caiu” – Segundo levantamentos de ONGs, desde meados de 1990 ocorreram cerca de 3.500 autorizações judiciais. Cátia Correa, que obteve a primeira autorização no Estado de SP, em 1993, conta como reagiu ao saber que estava grávida de um anencéfalo. “Meu chão caiu, quase morri. O mais triste é essa sensação de impotência. Quando saía, as pessoas perguntavam se era menino ou menina, quando nasceria, se tinha nome. Eu não podia responder, tinha de engolir a dor.”
Ela conta que descobriu o problema ao fazer um ultrassom no quarto mês. Demorou uma semana para decidir e, após entrar com a ação, obteve a permissão em dois dias. “As costas e os ossos da coluna eram juntos.” Seis anos depois, engravidou novamente. Morando no interior, sem acesso ao ultrassom, foi descobrir aos oito meses que estava grávida de outro anencéfalo. Como estava no fim da gravidez, o bebê nasceu pouco após o diagnóstico e foi enterrado em seguida. “Só quem já passou por isso é que sabe a dor. É uma decisão de cada uma, que sabe a dor que é estar grávida e não ser mãe.” (Fonte: Estadão Online)