Os mais experientes olham para o calendário e se surpreendem. Nesta época, verão no hemisfério Sul, é comum que não exista mais neve em frente à estação.
Quem dá sustentação para a impressão dos pesquisadores antárticos é Heber Passos, ele mesmo um veterano na ilha Rei George, que abriga a estação antártica brasileira.
O técnico do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) vive em um módulo separado da base, no alto de um morro próximo. Lá, ele registra tudo sobre as condições meteorológicas de toda a área.
Os gráficos que emergem do computador atestam um inverno rigoroso. O mês de agosto, por exemplo, teve mínima de 25,6 ºC negativos e média de -9 ºC. Só superior a 1991, quando a estação controlada pelo Inpe, que opera há 23 anos, marcou -28,5 ºC de temperatura mínima e média de -11,3 ºC.
Nos últimos dias, em novembro, as temperaturas rondaram 0 ºC, com sensação térmica de -13 ºC em alguns momentos.
Menos importante que os recordes anuais dos termômetros, diz Passos, é o ciclo dos invernos rigorosos. “Antes eles eram mais espaçados (de quatro em quatro anos mais ou menos), agora tivemos um 2007 e outro em 2009”, comenta.
Aquecimento global – Por eventos como o registrado hoje na estação brasileira, é que outros pesquisadores antárticos do Brasil não gostam do termo aquecimento global.
Eles preferem falar em variações climáticas. Pelo menos onde fica estação Comandante Ferraz e na região noroeste da península Antártica, o termo mais correto para é “resfriamento global”, mesmo os cientistas não sabendo explicar por que ele está ocorrendo.
De acordo com Passos, não são apenas os dados brasileiros que apontam na direção de um quadro mais frio. O acúmulo de neve é sentido por outras estações próximas, como a base chilena Presidente Frei.
No leste e no sul, entretanto, a perda de gelo continua, e em ritmo forte, mostram outros estudos feitos na região. “Podem ser dois lados de uma mesma moeda”, cogita o técnico do Inpe.
Animais – Lá fora, grupos de pesquisa em ação neste verão antártico sentem em suas rotinas de trabalho a meteorologia alterada. Seja por causa da ausência dos bichos que eles costumam estudar nesta época do ano, seja por problemas técnicos que a neve costuma causar.
No caso das aves, nesta época do ano, cientistas esperavam encontrar ninhos de skuas e gaivotões, por exemplo, em praias próximas. Mas os primeiros dias de pesquisa estão sendo tocados em ritmo lento. Por causa do grande acúmulo de gelo, dizem, os bichos ainda não montaram os seus ninhos.
O problema para o grupo dos peixes é de ordem técnica. O gelo ainda prende a lancha de pesquisa da estação brasileira. Sem ela, o deslocamento fica difícil.
Dentro de Ferraz, a neve fora de hora também deixa sequelas. Os dois lagos de abastecimento de água do complexo estão congelados. Banho apenas uma vez por dia, de preferência bem rápido. Lavar roupa, por enquanto, está proibido pelo chefe da estação. (Fonte: Folha Online)