Agora, ainda marginalizados e desempregados, apesar de quase cinco anos de paz, muitos antigos separatistas fugiram de volta para a floresta, desta vez para derrubá-la.
“Falei com um antigo capitão rebelde recentemente e lhe perguntei por que ele continuava a cortar ilegalmente as florestas de Aceh”, disse Mohammad Nur Djuli, chefe do Corpo de Reintegração de Aceh, uma organização estabelecida pelo governo provincial em 2006 para ajudar ex-combatentes a se integrar à sociedade.
“Ele disse: ‘Tudo bem, você alimenta meus 200 homens e eu jogo esta serra no rio’. O que eu poderia dizer diante disso?”
Um programa do governo, chamado de Aceh Verde, espera fornecer uma resposta.
Cinco anos depois que um terremoto e um tsunami destruíram grande parte da província de Aceh, matando 170 mil pessoas, o governo provincial começou a instituir uma estratégia de desenvolvimento econômico. Ela busca incorporar o desenvolvimento sustentável, integrar antigos combatentes à sociedade e criar empregos que atingem o objetivo do antigo movimento separatista: garantir que lucros advindos de recursos naturais beneficiem a população local.
O programa Aceh Verde, embora ainda esta em seu estágio inicial, já produziu alguns resultados.
Centenas de antigos rebeldes, que conhecem a selva de Ulu Masen como ninguém, estão sendo treinados e remodelados como guardas florestais pela Fauna and Flora International, um dos grupos ambientais internacionais mais antigos em Aceh. Os novos guardas percorrem a floresta, armados com bússolas e corda de escalada, em busca de madeireiros e caçadores ilegais.
Os guardas florestais são selecionados por suas comunidades locais e operam como um grupo independente complementando uma força policial de floresta existente, ainda que pequena – seus antigos adversários. Os antigos rebeldes são treinados durante dez dias pela Fauna and Flora International.
Em sua cerimônia de formatura, exaustos e sujos, eles ficam de pé num rio cercado por tochas flamejantes para receber seus diplomas, que vêm na forma de abraços. Como num ritual de batismo, eles são mergulhados um a um no rio por seu “treinador mestre” e recebem um uniforme limpo para começar suas novas vidas.
“Muitos choram”, disse Matthew Linkie, gerente de programas da divisão de Aceh da Fauna and Flora International. “É impressionante ver isso entre esses homens endurecidos. Esses rapazes passam de marginais e criminosos a heróis. Eles estão se tornando nossos olhos e ouvidos, nos deixam saber o que está acontecendo em áreas bastante remotas da selva, lugares normalmente muito difíceis de monitorar”.
O Aceh Verde é ideia original do governador Irwandi Yusuf, que também é ex-rebelde, veterinário treinado nos Estados Unidos e fundador da divisão de Aceh da Fauna and Flora International. Ele apresentou o Aceh Verde para o mundo na Conferência de Mudança Climática das Nações Unidas em 2007, em Bali, onde, para o aplauso dos ambientalistas, ele declarou pretender transformar sua província num modelo mundial de sustentabilidade.
Analistas têm elogiado bastante o espírito do programa, que deixa entrever um futuro potencialmente brilhante para uma região conhecida por desastres e conflitos. Vários meses após a conferência de Bali, o governador declarou a interrupção de toda exploração madeireira na floresta de Ulu Masen e iniciou o programa de guardas florestais com a Fauna and Flora.
Em fevereiro de 2008, Ulu Masen se tornou a primeira floresta a ser internacionalmente reconhecida como protegida pelo programa das Nações Unidas chamado REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation in Developing Countries). O sistema permite a países ricos compensar suas emissões de carbono pagando a países pobres para que preservem suas florestas. O projeto poder trazer a Aceh cerca de US$ 26 milhões em créditos de carbono se puder proteger com sucesso toda a selva de Ulu Masen, com 770 mil hectares.
“O Aceh Verde é a articulação de uma visão que Pak Irwandi tem há muito tempo”, afirmou Lilianne Fan, ex-agente humanitária que agora trabalha como conselheira para o governador no Aceh Verde, usando título de cortesia indonésio antes do nome do governador.
Aceh, que cobre a ponta norte da Ilha de Sumatra e possui população de mais de 4 milhões de pessoas, tem alguns dos depósitos mais ricos do mundo de riqueza natural, incluindo gás natural, petróleo, carvão, ouro, ferro, cobre, estanho e madeira dura. Foi a luta para controlar os lucros advindos desses recursos naturais que deflagrou a longa rebelião separatista.
Agora, o governo provincial, apoderado por um acordo de paz de 2005 que lhe dá autonomia limitada de Jacarta, capital da Indonésia, espera extrair esses recursos de forma sustentável e para o benefício de seus moradores.
Críticos afirmam que, embora o Aceh Verde seja uma boa ideia, a província não tem a infraestrutura de governo e a força de vontade para torná-lo efetivo.
Alguns agentes humanitários ironicamente se referem ao programa como “Aceh Marrom”, apontando que, nas áreas remotas onde eles trabalham, o barulho das serras ficou mais alto que nunca, apesar do Aceh Verde e da interrupção das atividades madeireiras. Em resposta, o governo afirma que ainda não é capaz de monitorar a floresta inteira.
Uma das forcas por trás do Aceh Verde é uma necessidade urgente de melhorar a economia do local. Analistas afirmam que o crescimento é essencial para a manutenção da paz, mas a economia está hesitante à medida que os esforços multibilionários de reconstrução após o tsunami de 2004 estão diminuindo. Ambientalistas locais agora temem que, na pressa para compensar o desemprego que chegou com o fim de projetos de ajuda internacional aqui, o espírito do Aceh Verde seja diluído.
O governador “apoia os investidores, não o meio ambiente”, afirmou Arifsyah Nasution, coordenador da Kuala, uma organização guarda-chuva que representa 25 grupos ambientais locais. “O governador diz que eles estão fazendo as coisas de uma ‘forma verde’, mas ainda não vimos nenhum resultado. Para nós, é tudo jargão, uma forma de atrair investimentos de grande escala”.
No centro das dificuldades do Aceh Verde está a falta de um governo plenamente operante em grande parte da região. Mais de 30 anos de conflitos e o tsunami deixaram governos provinciais e locais em farrapos. A corrupção, especialmente na esfera local, continua a prevalecer, segundo organizações de monitoramento como a Transparency International.
“A equipe do Aceh Verde trabalha sozinha”, disse Nasution sobre o time do governador, que trabalha fora de Banda Aceh, a capital da província. “Há pouquíssima coordenação ou entendimento entre outros setores do governo. Há muitas regulamentações conflitantes em vários níveis do governo”, ele acrescentou. “É uma bagunça”.
Fan afirmou que a equipe da Aceh Verde planejava passar os próximos dois anos fortalecendo habilidades de governança entre líderes locais e provinciais. Eles também estão revisando diretrizes florestais, assim como extração de recursos. Vários projetos estão previstos, disse Fan, incluindo uma parceria entre o governo indonésio e o banco alemão de desenvolvimento KfW para trabalhar recursos geotérmicos.
Para algumas pessoas, incluindo os antigos rebeldes que viraram guardas florestais, o Aceh Verde se tornou um tipo de doutrina provincial.
Kamarullah, 32 anos, ex-combatente rebelde que extraía madeira ilegalmente que, como muitos indonésios, usa apenas um nome, disse que agora se considerava um ativista ambiental.
“Eu nunca soube como usar a floresta com sabedoria”, disse ele, durante uma patrulha. “Agora eu entendo a importância da floresta. A partir de agora, sempre irei protegê-la, sua vida selvagem e o meio ambiente, mesmo que um dia eu não seja mais guarda florestal”. (Fonte: G1)