O acelerador de partículas LHC – o maior experimento da história da física – já está agora em operação há quase duas semanas, e o clima de apreensão que precedeu sua inauguração vem aos poucos sendo substituído por outro: o de competitividade entre cientistas.
No fim de semana de Páscoa, a máquina gigantesca instalada num túnel circular de 27 km na fronteira da Suíça com a França operou por 21 horas seguidas no nível máximo de energia proposto para a temporada. Está colidindo prótons, núcleos de átomos de hidrogênio, a 7 TeV (trilhões de elétron-volts). Desde que foi religada, já produziu mais de 10 milhões de colisões -“mini-Big Bangs”.
Cientistas dos quatro grandes detectores de partículas do LHC – que funcionam como se fossem experimentos independentes – correm agora para “redescobrir” as partículas elementares de matéria e energia que outros aceleradores maiores já tinham descoberto antes. Essa é a forma de calibrar o LHC e prepará-lo para descobrir novas partículas.
Bandeirada – Esse trabalho já está gerando uma corrida entre os dois maiores detectores do projeto: o Atlas e o CMS. Agora que o LHC superou em três vezes e meia a potência do Tevatron – acelerador que era o mais potente até a semana retrasada – a principal disputa entre cientistas na física de partículas deve ser entre esses dois projetos.
São eles os candidatos a detectar, por exemplo, o bóson de Higgs – partícula que confere massa às outras, segundo a teoria. A propriedade conhecida como supersimetria, que dobraria o número de partículas elementares existentes, também poderá ser vista tanto no Atlas quanto no CMS.
Em princípio, a única coisa que une os dois experimentos é o raio de prótons produzido no LHC e o fato de ambos estarem subordinados ao Cern (Centro Europeu de Pesquisa Nuclear). Chefes dos detectores, porém, negam a rivalidade.
“Essa competição é justa e não tem segredos”, diz Guido Tonelli, porta-voz do CMS. “Ela é saudável porque nos impele para o limite, pois queremos fazer as coisas muito bem e muito rápido. Nós vamos publicar todos os resultados, e tudo é aberto. Cada truque que usamos é absolutamente disponível a ambos.”
Contudo, falando em entrevista coletiva ao lado de Fabiola Gianotti, chefe do Atlas, Tonelli lança uma provocação em forma de metáfora quando a pergunta é a corrida pelo bóson de Higgs: “Eu tenho uma Ferrari, ela tem uma Mercedes-McLaren. Tenho certeza absoluta de que serei o primeiro.”
Gianotti, depois, respondeu ao colega. “Somos muito bons amigos e competimos um pouquinho de tempos em tempos. Nós claramente vamos trabalhar juntos para fortalecer a relação entre os dois experimentos”, disse. “Vamos combinar nossos resultados porque, é claro, uma das motivações para existir mais de um experimento é também ser possível dobrar a quantidade de dados. Mas é claro que o Atlas é melhor que o CMS.”
Geopolítica – Sergio Bertolucci, vice-diretor do Cern, diz ter ficado feliz de ouvir os dois colegas. “A competição é muito boa, mas também é muito bom o fato de que os resultados podem ser comparados e combinados”, afirmou. “Isso nos dá uma enorme e poderosa ferramenta para descoberta e para checar se as descobertas de um não foram “fáceis” demais”, disse.
A competição interna no Cern entre os experimentos Atlas e CMS também está de certo modo, reencarnando a forma de competição que existia nos primórdios, quando diferentes centros de pesquisa competiam para produzir o acelerador mais potente.
Incapazes de rivalizar com o orçamento do Cern, laboratórios americanos estão fornecendo cerca de 20% dos cientistas que trabalham no Atlas e 35% dos que estão no CMS. Este último está absorvendo cientistas que têm trabalhado no Tevatron, acelerador que deverá encerrar operação até 2012. O experimento americano, porém, se declara no páreo por novas descobertas, mesmo às vésperas de sua aposentadoria.
“O LHC atinge grande energia nas colisões, mas existe uma outra dimensão nos experimentos, chamada “luminosidade’: é a taxa com que acumulamos dados”, explica o peruano Piermaria Oddone, diretor do Fermilab, laboratório perto de Chicago que abriga o Tevatron. “A luminosidade, por enquanto, ainda é melhor no Tevatron, mas o LHC vai nos alcançar. Até lá, porém, ainda temos uma vida muito competitiva.”
Outro importante acelerador americano, o RHIC, no Laboratório Nacional de Brookhaven, também mudou seu planejamento por causa do Cern.
“Parte do pessoal que trabalha no RHIC com colisões de íons pesados -núcleos de ouro ou chumbo-, veio para cá fazer isso, porque o Atlas vai explorar isso também”, conta Denis Damázio, brasileiro contratado pelo laboratório americano. “Mas o RHIC ainda está operacional e vai continuar trabalhando por alguns anos.”
O risco de um anticlímax – como a descoberta do Higgs no Tevatron – é pequeno, mas ainda não totalmente improvável. Talvez ajude a acirrar ainda mais o clima de pressão. (Fonte: Rafael Garcia/ Folha Online)