O Brasil deixa de gerar cerca de US$ 5 bilhões ao ano por não conseguir transformar sua flora em remédios.
Essa é a diferença entre o valor movimentado pelo tímido mercado brasileiro de fitoterápicos e por mercados como o francês, o japonês e o alemão – países com uma biodiversidade muito menor que a brasileira, mas que tiveram sucesso na transformação de moléculas de plantas em medicamentos.
Até hoje, só um fitoterápico baseado na flora brasileira foi desenvolvido em território nacional. Trata-se do anti-inflamatório Acheflan, concorrente do Cataflam.
O mercado mundial de fitoterápicos envolve hoje cerca de US$ 44 bilhões, segundo a consultoria Analize and Realize, que atende algumas das maiores indústrias farmacêuticas do mundo. O valor está crescendo.
Segundo a Associação Brasileira de Empresas do Setor Fitoterápico, não existem dados oficiais sobre o tamanho desse mercado no Brasil. As estimativas variam entre US$ 350 milhões e US$ 550 milhões. Os pesquisadores acreditam que o país, por ser dono da maior biodiversidade do planeta, deveria ter um papel de liderança na área.
Um deles é o farmacólogo Manoel Odorico de Moraes, da Universidade Federal do Ceará, que tratou do assunto na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, em Brasília, no fim do mês passado.
“Toda a indústria farmacêutica brasileira foi construída em cima da cópia”, diz ele, reclamando que as empresas nacionais investem pouco em inovação.
Segundo o químico Lauro Barata, da Unicamp, o Brasil poderia muito bem exportar para os países desenvolvidos. “Se você tiver remédios com eficiência e segurança, consegue mandar o produto para qualquer lugar. Mas o Brasil só estuda, estuda, publica e nada mais.”
“O mercado de fitoterápicos é muito menor do que poderia ser. Teria potencial para movimentar muito dinheiro”, diz José Roberto Lazzarini, diretor de pesquisa dos Laboratórios Aché.
Além do Acheflan, há mais de 420 fitoterápicos registrados na Anvisa, de 60 plantas diferentes. Apenas dez são de plantas nacionais – e os medicamentos não foram desenvolvidos por aqui.
Há problemas anteriores à falta de interesse dos investidores, porém. O país sofre com a falta de biotérios que possam oferecer camundongos de qualidade para testes de medicamentos.
Além disso, os pesquisadores relatam dificuldades para acessar a flora do país. As leis contra biopirataria acabaram por burocratizar excessivamente os seus trabalhos, reclamam.
O Acheflan, único, por enquanto, a vencer essas barreiras, levou sete anos e R$ 15 milhões para ficar pronto. Ele foi fruto de uma parceria entre a iniciativa privada, que entrou com o dinheiro, e o grupo da Universidade Federal de Santa Catarina liderado por João Batista Calixto.
A planta da qual a equipe de Calixto elaborou o anti-inflamatório Acheflan, comercializado desde 2005 pelo Laboratório Aché, é a erva-baleeira (Cordia verbenacea), típica da mata atlântica. Ele é usado como pomada – nessa fatia do mercado, acabou ultrapassando o Cataflam.
O Laboratório Aché, que é uma empresa brasileira, ficou com a patente do princípio ativo. Os cientistas receberam pelo seu serviço, mas o contrato não prevê nenhum tipo de royalty para eles. Todo o trabalho foi feito em sigilo, sem publicação das conclusões parciais em revistas científicas. (Fonte: Ricardo Mioto/ Folha.com)