Antes de sair correndo para o trabalho no Centro Médico do Hospital Infantil de Cincinnati (EUA) de manhã, o médico Jason Spence, 33, aproveitou um momento durante o café da manhã para digitar “células-tronco” no Google e clicar nas notícias das últimas 24 horas. É uma rotina que ele adotou diariamente desde que o Tribunal Distrital dos EUA decidiu colocar o futuro de sua pesquisa em risco há seis semanas.
“É sempre a primeira coisa em que eu penso quando acordo”, diz Spence, que passou quatro anos treinando para transformar células-tronco retiradas de embriões humanos em tecido pancreático na esperança de ajudar pacientes diabéticos. “Você tem esse plano de carreira para fazer toda essa pesquisa, e a ideia de que eles possam simplesmente proibi-la é assustadora.”
Em comparação com qualquer outro campo da ciência, talvez o estudo das células-tronco embrionárias seja o que está mais sujeito a objeções éticas e à opinião política. Mas apenas um ano depois que o governo Obama retirou alguns dos limites impostos pelo presidente George W. Bush, um processo que questiona o uso de dinheiro público para a pesquisa e uma mudança conservadora no Congresso poderão deixar o campo mais restrito do que ele já era desde sua criação há uma década. Cerca de 1.300 empregos estão em risco, além de bolsas dos Institutos Nacionais de Saúde, que este ano totalizaram mais de US$ 200 milhões e apoiam mais de 200 projetos.
Segundo os pesquisadores, a mudança introduziu uma incerteza sem precedentes num domínio da ciência acadêmica normalmente governado pelas leis da natureza e as regras da avaliação científica.
“Estamos acostumados às pessoas nos dizerem: ‘Esta foi uma ideia estúpida, não vamos financiá-la’, e nós viramos e pensamos em uma melhor”, diz James Wells, que chefia o laboratório onde Spence faz pós-doutorado. “Mas não há nada que possamos fazer quanto a isso.”
As células-tronco, que acredita-se têm um potencial curativo para muitas doenças porque podem se transformar em qualquer tipo de tecido do corpo humano, podem ser obtidas apenas por meio da destruição de um embrião humano, que muitos norte-americanos acreditam ser equivalente a uma vida.
Em agosto, o juiz Royce C. Lamberth do Tribunal Distrital dos EUA em Washington, D.C., descobriu que a política do governo Obama viola uma lei que impede que o governo federal financie “pesquisas nas quais um embrião ou embriões humanos são destruídos, descartados, ou conscientemente submetidos a risco de ferimento ou morte”, e expediu uma ordem bloqueando o dinheiro do governo para a pesquisa.
Desde então, o destino da área parece ter mudado quase toda semana à medida que o processo caminha pelos tribunais. Na semana passada, o governo ganhou num tribunal de apelação o direito de continuar financiando a pesquisa enquanto estiver apelando da decisão. Mas não se sabe como o tribunal de apelação decidirá por fim, e Lamberth poderá expedir uma proibição revisada.
Muitos dos principais pesquisadores de células-tronco do país não sabem se receberão as bolsas que ganharam há alguns anos através da competição padrão ou se novos projetos serão considerados. Novos cientistas como Spence, impedidos de começar seus próprios laboratórios, estão presos num limbo. Cientistas mais velhos como Wells estão divididos entre seguir uma pesquisa na qual acreditam e proteger seus alunos de arriscar suas perspectivas de emprego em projetos que podem jamais ser concluídos.
A montanha russa legal está aumentando os níveis de estresse e reduzindo a produtividade, dizem os pesquisadores. Em vez de cuidar de seus tubos de ensaio, eles se veem tentando adivinhar como cada membro do Supremo Tribunal votará no caso. Eles também observam as eleições para o Congresso com interesse redobrado – e com certa ansiedade, uma vez que muitos acreditam que será necessária uma nova nova legislação para que seu trabalho continue.
De acordo com as normas autorizadas tanto pelo governo Bush quanto Obama, o trabalho que diretamente destrói embriões não pode ser financiado pelo governo federal. O governo pode, entretanto, apoiar pesquisas subsequentes em linhagens celulares criadas por esse processo.
No ano passado, dois cientistas entraram com um processo, argumentando que a distinção é falsa e que as regras sobre o financiamento público violavam a emenda Dickey-Wicker, aprovada em 1996 e renovada pelo Congresso todos os anos desde então.
Além disso, dizem, ela transfere os limitados recursos governamentais da pesquisa de diferentes tipos células-tronco, que eles e outros cientistas que compartilham um desconforto com as células-tronco embrionárias veem como uma opção ética e cientificamente superior. Apesar de toda esperança investida, as células-tronco de embriões humanos ainda não tiveram resultados tangíveis para os pacientes.
Em sua decisão, Lamberth concordou que as normas violavam a emenda de 1996 e “ameaçavam o próprio meio de vida” dos réus.
Os pesquisadores de células-tronco que podem perder seus financiamentos federais argumentam que outros tipos de células-tronco não têm as mesmas propriedades, e que todas precisam ser estudado para determinar qual funciona melhor. Eles estão irritados com a intromissão de juízes e políticos nas decisões que normalmente são tomadas pelo processo de avaliação acadêmica, no qual especialistas de um campo comentam o mérito de uma ideia e as melhores são financiadas.
Mas mesmo alguns daqueles que acreditam que existe uma razão científica para esta pesquisa concordam que a base legal para o financiamento federal pode ser fraca.
“Estou surpreso que o Congresso não tenha mexido com isso”, diz Stephen Duncan, pesquisador de células-tronco no Medical College de Wisconsin, que poderá perder vários milhões de dólares em financiamentos federais dependendo da resolução do caso. “É como estar um pouco grávida. Ou você está contra a lei ou não está.”
Bush, que em 2001 limitou a possibilidade de pesquisadores financiados com dinheiro federal trabalharem em cerca de duas dúzias de linhas de células-tronco já existentes, vetou duas vezes a lei que expressaria explicitamente o apoio ao financiamento das controversas pesquisas. Nenhuma lei foi introduzida no governo de Barack Obama, mas o governo aumentou o número de linhas de células-tronco que os pesquisadores podem estudar.
Defensores da pesquisa veem isso agora como uma oportunidade perdida.
Os esforços para conseguir apoio no Congresso desde a decisão de Lamberth não conseguiram respaldo entre os democratas e republicanos moderados às vésperas das eleições de novembro.
Para muitos, a intromissão recente da política no mundo da meritocracia científica foi um choque em particular porque as novas regras do governo Obama haviam sido implantadas há poucos meses.
“O doloroso é que estamos sendo proibidos num momento em que a velocidade desse campo de pesquisa, graças ao novo governo, iria finalmente chegar ao máximo”, diz Ali Brivanlou, professor da Universidade Rockefeller.
Nas últimas semanas, pesquisadores de células-tronco embrionárias buscaram financiamento alternativo em fundações privadas, universidades e programas estaduais. Mas os Institutos Nacionais de Saúde, que têm um orçamento de US$ 26 bilhões, são de longe a fonte com os bolsos mais cheios para os cientistas acadêmicos.
Alguns pesquisadores estão pensando em mudar para o setor privado. Outros pediram a seus alunos para não prestarem atenção às notícias. Outros estão tentando conscientizar o público.
A Dra. Yi Sun, 45, da Universidade da Califórnia, Los Angeles, recorreu à meditação.
“Eu teria problemas sem isso”, diz Sun, cujo trabalho com células-tronco é sobre um transtorno do autismo chamado síndrome de Rett.
Nascida na China, Sun disse que agora estava renovando suas tentativas de colaborar com biólogos da área, com bons financiamentos, em seu país de origem. (Fonte: UOL)