Quem escuta a palavra “DNA” costuma contextualizar o termo nas áreas da medicina, saúde e até de investigações criminosas. Mas um projeto do laboratório de genealogia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com outros dez laboratórios de análise de material genético em todo o mundo, é exemplo de que o DNA vai muito além dos laboratórios. Nestes espaços científicos, as análises genéticas são usadas para preencher lacunas na história da origem dos povos.
O Projeto Genográfico, um estudo internacional que reúne dez laboratórios em todo o mundo e é coordenado pelo professor Fabrício Rodrigues Santos, do Instituto de Ciências Biológicas da (UFMG), analisa amostras de DNA para determinar características comuns em pessoas e grupos ao longo de até 500 gerações de diversos povos.
Desde 2007, a equipe do laboratório genográfico da UFMG coleta e analisa material genético do grupo étnico Uros, que têm núcleos na Bolívia e no Peru. Segundo o pesquisador, com o DNA, é possível traçar rotas migratórias, e descobrir parte da história pré-colombiana dos povos indígenas na América do Sul. “Indígenas vivem na América do Sul há 14 mil anos. Mas os livros didáticos trazem apenas parte dessa história, desde a colonização europeia. Ainda há muito para ser contado.”, diz o professor, que explica que a falta de registros por meio da cultura escrita nesses povos pode ter contribuído para que muito fosse esquecido ao longo de séculos.
Para contar essas histórias, ainda segundo o pesquisador, a biologia não pode trabalhar sozinha. É preciso associá-la à arqueologia, aos estudos de linguagem e à antropologia. O biólogo explica que o trabalho do laboratório é muito similar ao de exames de paternidade. “A diferença é que os exames de paternidade buscam informações sobre uma geração, a geração do pai da criança. Já os testes que fazemos buscam informações de até 500 gerações”, diz. Dessa forma, a equipe chega a dados de milênios passados.
Santos conta que trabalho é extenso, e fica ainda mais complicado porque, para entender a origem dos povos Uros, também é preciso analisar amostras de outros grupos que vivem na região, ou até em distâncias médias, para fazer comparações. Até o momento, foram analisadas amostras de DNA da saliva de 388 indivíduos, entre os Uros das ilhas flutuantes do lago Titicaca, no Peru, e os Uru-Chipaya e Uru-Poopó, que habitam a Bolívia. As amostras foram comparadas a outras, dos povos Aimarás e Quéchuas, grupos majoritários na região Andina.
Os Uros, conforme conta o professor, foram selecionados para participar do projeto por terem demonstrarado interesse. “Vários povos foram convidados a participar, mas muitos não se interessam pela história. Os Uros têm uma curiosidade especial sobre o passado. Eles querem saber mais sobre as origens e influências recebidas pelo grupo”, diz. A primeira amostra de DNA colhida foi do prefeito da comunidade Uros no Peru.
Apesar de já ter resultados das análises e um artigo científico publicado na edição de setembro da Revista Plos One, o estudo internacional ainda está em andamento. Segundo Fabrício Santos, a equipe já programa outra visita à comunidade para o próximo mês. Participam do projeto dez centros de pesquisa em todo o mundo.
Uros – Segundo Fabrício Santos, o coordenador da pesquisa, os Uros são um grupo étnico que está presente tanto na Bolívia, com cerca de 2,6 mil membros, quanto no Peru, com cerca de 2 mil pessoas. Para os cientistas que trabalham no projeto, o grupo é considerado especial porque apresenta costumes e características muito diferentes dos outros povos que habitam a região. “Enquanto a maioria das comunidades vêm de uma tradição agrícola, com tecnologias avançadas do império Inca, os Uros, que no Peru habitam a região do Lago Titicaca, são de uma tradição de pesca”, explica.
O pesquisador conta que durante a apresentação dos resultados finais da pesquisa para algumas lideranças do grupo étnico, os Uros ficaram bastante satisfeitos. “Eles ficaram muito felizes. Há um preconceito local de outras comunidades com os Uros. Como eles são um grupo pequeno, muitas vezes são chamados de forasteiros, como se não pertencessem àquele lugar”. Segundo o pesquisador, esse preconceito incomoda o grupo e traz ainda mais ansiedade pela busca das origens da comunidade, que não tem a etnia oficialmente reconhecida pelo governo do país. (Fonte: G1)