Formado pela junção de dois rios altamente poluídos – o Piracicaba e o Tietê –, o Reservatório de Barra Bonita, no interior paulista, tem seus 384 quilômetros quadrados repletos de cianobactérias, algo recorrente nesse tipo de ambiente em todo o mundo.
Por meio de diferentes processos, esses microrganismos – também conhecidos como algas azuis – liberam nas águas imensas quantidades de matéria orgânica dissolvida (MOD), que podem causar eventos indesejáveis como o assoreamento, agravando ainda mais as condições ambientais do reservatório. Por outro lado, podem também promover eventos ecológicos de interesse científico.
Com o objetivo de fundamentar a busca de soluções para esse problema, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) estudou, durante os últimos cinco anos, o destino da MOD e os processos envolvidos com sua liberação por cianobactérias naquele reservatório.
O estudo, realizado no âmbito de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP, foi coordenado por Armando Augusto Henriques Vieira, do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da UFSCar. Segundo ele, as pesquisas geraram várias publicações e suas conclusões poderão ser extrapoladas para outros reservatórios no país.
“Conhecendo o comportamento da MOD liberada pelas cianobactérias poderemos selecionar prováveis soluções para esse tipo de problema. Os resultados podem ser transpostos para outros casos, porque quase todos os reservatórios no Brasil estão poluídos e eutrofizados – isto é, têm excesso de nutrientes – e em quase todos as cianobactérias predominam”, disse Vieira à Agência FAPESP.
Segundo o pesquisador, os dois rios que formam o Reservatório de Barra Bonita estão altamente poluídos, com uma carga de esgoto industrial e doméstico que leva à eutrofização, facilitando a proliferação das cianobactérias e, consequentemente, de MOD. O aumento da biomassa presente na água leva a uma diminuição do oxigênio, provocando a morte de inúmeros organismos.
“Quando as cianobactérias morrem, elas se decompõem e liberam imensas quantidades de MOD. Descobrimos que parte dessa biomassa pode ser modificada pela radiação ultravioleta do Sol, gerando novos compostos diferentes dos que foram excretados pelos microrganismos”, disse Vieira.
Parte da MOD liberada pelas cianobactérias é reabsorvida não só por outras bactérias, mas também por diferentes organismos eucarióticos. Nessa MOD encontram-se grandes quantidades dos chamados polissacarídeos extracelulares, que podem ser utilizados como fonte de carbono e nitrogênio – já que sempre existe uma porcentagem de proteína associada aos polissacarídeos extracelulares – por populações de algumas espécies de zooplânctons.
“Medimos e quantificamos essas transformações que a matéria orgânica sofre ao longo do tempo. Avaliamos também a atividade enzimática das bactérias, identificando a quantidade e o tipo de enzimas liberadas pelas bactérias no reservatório. Atualmente estamos estudando a diversidade das bactérias que se associam à MOD de cada uma das principais espécies de cianobactérias do reservatório”, disse Vieira.
A maior parte dos dados, de acordo com o cientista, já foi publicada em revistas nacionais e internacionais. O estudo também gerou diversas teses e dissertações com abordagens específicas sobre a atividade das cianobactérias.
“Surgiram diversos problemas interessantes e agora vamos partir para a análise de todos os compostos identificados. Com os dados que reunimos até o momento vamos publicar um livro de divulgação, que será uma síntese de todas as pesquisas”, adiantou Vieira.
Estudando as enzimas e os açúcares presentes na água, os pesquisadores aprofundaram o conhecimento sobre a dinâmica do fluxo de matéria orgânica.
“Alguns polissacarídeos são liberados pelas cianobactérias em estado coloidal, transformando-se em agregados gelatinosos que se grudam continuamente com detritos e outras espécies, formando uma espécie de biofilme flutuante que se torna cada vez maior e no qual há crescimento de bactérias”, afirmou.
Esse processo, segundo o professor, interfere no fluxo vertical da MOD em direção ao fundo do reservatório. “Certas espécies, como alguma diatomáceas, utilizam esse processo como uma maneira para afundar, mantendo-se em ambientes onde o tempo de residência das águas é baixo – como ocorre em pequenos reservatórios –, evitando que elas sejam ‘lavadas’ para fora do reservatório”, disse.
Reações solares – A ação da radiação solar sobre o processo de formação da MOD, segundo Vieira, foi um dos aspectos mais surpreendentes do estudo. “Achávamos que a radiação solar aumentaria o ataque bacteriológico sobre a MOD. Mas descobrimos que o processo de radiação e o processo bacteriológico competem entre si”, disse.
Os pesquisadores achavam inicialmente que a MOD acumulada em grandes quantidades seria prontamente atacada por bactérias e transformada em CO2 e que, portanto, apenas uma pequena parcela dessa matéria orgânica dissolvida seria transportada.
“Como o ambiente é turbulento, há uma intensa mistura das águas, fazendo com que a MOD na superfície seja constantemente renovada e exposta à radiação ultravioleta do Sol. Achávamos que essa radiação facilitaria a quebra de moléculas e a decomposição da matéria orgânica. Mas o que ocorre é o contrário: grande parte dessas moléculas se transforma em compostos refratários ao ataque bacteriológico – ou seja, inibe o ataque de bactérias. A síntese desses compostos se daria por condensação em moléculas maiores e por transformações diretas em compostos refratários por degradação”, explicou.
O impacto ambiental causado pelo acúmulo de cianobactérias é muito grande, de acordo com Vieira. Em torno das barragens, acumulam-se as chamadas manchas verdes, formadas pela exposição das bactérias ao Sol. Nesses locais e nessas condições, as cianobactérias envelhecidas morrem, liberando então grande quantidade de MOD, acompanhada de toxinas que, devido à proximidade dos vertedouros, são exportadas a jusante do reservatório.
“Além disso, o acúmulo de cianobactérias diminui a diversidade de peixes. Até há poucos anos era possível encontrar em grande quantidade, na região de Barra Bonita, peixes como trairão, piranha, lambari e outros. Hoje, eles não são encontrados com facilidade e alguns nem existem mais. Apenas as tilápias predominam”, disse Vieira. (Fonte: Fábio de Castro/ Agência Fapesp)