Sem muito esforço, um guindaste levanta um tronco após o outro. Há horas, em uma clareira do vale do Bikin – no longínquo leste da Rússia e sob um frio de -30ºC –, árvores são empilhadas em um caminhão.
O especialista em florestas Ievgeni Lepioshkin, da sede da organização ambientalista WWF em Vladivostok, tira uma foto após a outra. O que se passa aqui é para ele, pela primeira vez, um motivo para comemorar: os madeireiros precisam desocupar o local.
O motivo disso é que o WWF e a população nativa arrendaram por 49 anos uma área de 460 mil hectares do Vale do Bikin. A região ameaçada de desmatamento é propriedade do governo russo.
“As florestas locais desempenham um papel importante na manutenção do clima. Somente nesta área arrendada, 48 milhões de toneladas de gás carbônico são capturadas em forma de dióxido de carbono”, afirma Lepioshkin.
O governo federal da Alemanha e o WWF alemã apoiam o projeto – nos moldes da Iniciativa Internacional de Proteção ao Clima – com 2,5 milhões de euros a serem gastos em três anos. Depois deste período, o arrendamento da área deverá ser financiado pela venda de créditos de carbono.
Florestas boreais: chave para o clima global – Grande parte do vale do Bikin está coberta pelas florestas boreais, formadas por pinheiros, píceas, bétulas e lariços, também conhecidas como floresta de coníferas ou taiga. Elas correspondem a mais de um terço da área florestal do planeta e formam um cinturão verde ao norte do Equador, entre 40 e 70 graus de latitude. Sessenta por cento destas florestas ficam em território da Rússia, mas a organização não-governamental Clube Florestal Russo estima que apenas 2% a 3% delas estejam suficientemente protegidas.
Por isso, a associação internacional Taiga Rescue Network apoia sobretudo as iniciativas de organizações ambientalistas e das populações nativas , que lutam para proteger a taiga do desmatamento ilegal e em larga escala. “As florestas boreais são uma área ecológica chave, capazes de influenciar o clima devido à sua sensibilidade e ao seu tamanho”, adverte a associação.
Bomba-relógio climática – Também as florestas boreais do Canadá e dos países escandinavos estão ameaçadas pela exploração não sustentável de madeira e pelo avanço da urbanização. A organização ambiental Greenpeace atua há anos nas florestas boreais no norte do Canadá e na Finlândia, visando a acabar ou pelo menos reduzir o desmatamento extensivo para a produção de papel.
Além de armazenar grandes quantidades de gás carbônico, uma floresta boreal intacta é mais resistente aos efeitos do aquecimento global. Um estudo encomendado pelo Greenpeace a cientistas canadenses chegou a provar a fragilidade de florestas boreais que perderam suas árvores mais robustas por causa da exploração madeireira intensiva.
Um dos maiores problemas neste sentido é o descongelamento do permafrost – solo de rochas e gelo –, sobre o qual cresce grande parte das florestas de coníferas. Quando tal fenômeno ocorre, são liberados na atmosfera gases nocivos ao meio ambiente – como o metano –, que permaneceram armazenados no solo por milhares de anos.
Florestas saudáveis conseguiriam reter grande parte desses gases. “Já uma floresta boreal devastada poderia se tornar uma bomba-relógio climática”, afirma Oliver Salge, especialista em florestas do Greenpeace.
Debate público: trópicos roubam a cena – Nas discussões sobre a preservação florestal, as matas das regiões frias costumam ser apenas coadjuvantes: “Infelizmente, há um problema de percepção por parte da opinião pública”, diz Frank Mörschel, coordenador florestal do WWF e representante da Alemanha no projeto do vale do Bikin.
“As florestas tropicais e sua preservação parecem ser mais atraentes e exóticas, porque as cenas que vemos na televisão de árvores gigantescas sendo derrubadas nos parecem bastante dramáticas”. As alterações sofridas pelas florestas boreais não seriam tão chamativas e visualmente espetaculares, mas igualmente impactantes. “Não podemos fechar os olhos para isso”, afirma Mörschel.
Pelo menos agora no vale do Bikin, na Sibéria Oriental, ativistas ambientais têm 49 anos para preservar as florestas nativas. Depois, esperam que o governo russo dê à região o status de área de proteção ambiental.
Mas este processo pode ser acelerado, devido à ameaça de extinção de um dos animais mais importantes da região: o tigre siberiano. O assunto estará em pauta nos últimos meses deste ano em Vladivostok, numa reunião de políticos de todos os países onde o tigre ainda existe.
Se o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, declarasse a proteção da região como prioridade, não só o tigre siberiano, mas todo o clima do planeta seriam beneficiados. (Fonte: Folha.com)