Desastres naturais como as chuvas torrenciais que desabaram sobre o litoral do Paraná, a região serrana do Rio e o nordeste da Austrália estão no centro de um dos debates científicos mais importantes da atualidade. Para muitos pesquisadores, o registro recente de eventos meteorológicos extremos confirma a hipótese de que o planeta está se aquecendo e que esse processo está levando a um aumento no número de desastres naturais, como enchentes e secas. A implicação óbvia da mudança climática é a necessidade de um preparo para prevenir as consequências de grandes secas e enchentes. O Brasil, como ficou claro nas últimas semanas, não está pronto para o pior.
O alerta sobre a maior frequência e intensidade de desastres climáticos faz parte do relatório apresentado em 2007 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU). Agora, os cientistas tentam entender se essas alterações já são perceptíveis. Uma pista está nos registros do Centro de Pesquisas em Epidemiologia de Desastres (CRED, na sigla em inglês), da Universidade Católica de Lovain, em Bruxelas, na Bélgica, que acompanha o assunto mundo afora há mais de 30 anos. Entre 1975 e 2010, segundo o CRED, o número anual de desastres naturais passou de 50 para 380 em todo o globo.
No Brasil, um estudo do Grupo de Pesquisa em Mudanças Climáticas do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (CPTEC-Inpe) constatou que tanto a temperatura quanto as precipitações aumentaram no país. No período de 1991 a 2004, a frequência das chuvas foi 17,8% maior na Região Sul e 11,6% menor no Nordeste, em comparação com o período de 1961 a 1990. Se as previsões com base nos modelos climáticos do IPCC se confirmarem – com chuvas aumentando de 6% a 24% na Região Sul do país e diminuindo até 33% no Nordeste nos próximos 50 anos – estaremos em sérios apuros.
“Os céticos que me perdoem, mas os fatos estão aí. Os temporais estão aumentado, assim como as temperaturas, enquanto a vazão dos rios diminuiu no Norte e Nordeste brasileiros. Temos um cenário que já produzirá efeitos muito sérios até 2020 e que se agravarão até 2050. O Ceará, por exemplo, poderá perder 95% de suas áreas agricultáveis”, alerta o pesquisador Hilton Pinto, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Com pesquisas como as conduzidas por Hilton, que já conseguem dizer como a geografia do plantio irá mudar e como o país deve se adaptar, o setor agrícola é um exemplo de preparo para outras áreas, como a de transportes e a de prevenção a desastres.
Grande furo – O primeiro sinal do despreparo do Brasil para lidar com a possibilidade de haver mais eventos climáticos extremos está, segundo os especialistas, na falta de um sistema de monitoramento adequado. “O país precisa instalar e operar uma rede de observação nacional associada ao estudo da mudança do clima. Nossa rede observacional é precária e tem cobertura espacial limitada”, afirma Paulo Artaxo, professor do departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). O sistema até está nos planos do governo federal, mas só sairá do papel em quatro anos.
Para o sistema funcionar, a Defesa Civil de estados e municípios – onde muitas vezes é inexistente – teria de ser melhor capacitada para entender e passar o alerta para a população. Um dos exemplos dessa falha está nas chuvas que atingiram a região serrana do Rio no início deste ano. As precipitações foram detectadas por instrumentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) com três dias de antecedência, mas fazer o alerta chegar até o estado e daí para os municípios, que nem tinham Defesa Civil organizada, é que foi o problema.
Por aqui, um esforço conjunto de engenheiros da Minerais do Paraná (Mineropar), da Defesa Civil estadual e bombeiros locais conseguiu retirar famílias de algumas áreas de risco de Antonina antes dos deslizamentos de sexta para sábado da semana passada. Morretes e Paranaguá não tiveram a mesma sorte. (Fonte: Fabiane Ziolla Menezes /Gazeta do Povo/PR)