Alguns camundongos caseiros da Europa desenvolveram resistência a venenos mais fortes, afirmam cientistas.
Os roedores alemães e espanhóis rapidamente desenvolveram esta característica ao cruzar com uma espécie argelina da qual haviam ficado separados por mais de um milhão de anos.
Os autores do estudo afirmam que este tipo de transferência genética entre diferentes espécies é bastante incomum e normalmente encontrada em plantas e bactérias.
Os cientistas estão preocupados que esta rara e rápida forma de evolução possa levar à disseminação de novas gerações de roedores resistentes a praticamente qualquer forma de controle químico de pestes.
Varfarina – A varfarina é uma droga amplamente usada na medicina para prevenir o surgimento de coágulos no sangue, que funciona inibindo uma proteína conhecida como VKORC1. Essa proteína desperta a capacidade de produzir a vitamina K, que é essencial para a coagulação.
O excesso de varfarina pode causar sangramentos fatais, e foi esta característica que levou à introdução da droga como um pesticida contra ratos nos anos 1950.
No entanto, os roedores vêm desenvolvendo traços para sobreviver à varfarina, e grupos resistentes já foram encontrados em diferentes partes do mundo.
Agora os cientistas afirma que os camundongos alemães e espanhóis encontraram um método rápido de superar a ameaça da varfarina ao realizar cruzamentos com animais argelinos que são, de acordo com os pesquisadores, uma espécie totalmente diferente.
Troca genética – “O nosso estudo é tão especial porque envolve a hibridização entre duas espécies de camundongos que ficaram separadas entre 1,5 milhão a 3 milhões de anos”, diz Michael Köhn, professor da Universidade Rice, em Houston (Texas, EUA), que liderou a equipe de pesquisadores responsável pelo estudo.
“A maior parte das crias (…) não reproduz, é estéril. Mas existe uma pequena janela que permanece aberta para que os genes se movam de uma espécie para outra, e isto por meio de algumas poucas fêmeas férteis. Então existe uma chance de vazar genes de uma espécie para outra.”
Graças a essas poucas fêmeas férteis, a grande maioria dos camundongos na Espanha e um número crescente na Alemanha adquiriram resistência em um curto período de tempo, embora os cientistas não estejam totalmente certos de quando as primeiras trocas genéticas ocorreram.
E enquanto eles podem não parecer muitos diferentes dos roedores domésticos normais, em seu código genético eles agora têm a capacidade de sobreviver aos produtos químicos mais fortes usados no controle de pestes.
“Existem muitas barreiras genéticas entre estas espécies de camundongos”, disse Köhn. “Vê-los hibridizar e transferir material genético é um tanto espetacular, para ser franco.”
Pressão evolutiva – Os pesquisadores dizem que o aumento nos deslocamentos humanos e o crescimento populacional são responsáveis por unir estas espécies de roedores e colocá-las sob o estresse evolutivo ao tentar envenená-las.
Eles estão preocupados que pressões humanas similares possam fornecer aos roedores tanto a necessidade quanto a oportunidade para cruzarem entre espécies, gerando tipos novos que são quase impossíveis de controlar.
“Eu prevejo que muitas destas espécies se moverão pelo globo, e potencialmente já se moveram, mas nós ainda não as detectamos”, diz Köhn.
“O potencial para este intercruzamento entre espécies fortemente relacionadas de roedores e a troca de resistência está mais forte do que já foi no passado.”
O professor acredita que esta pesquisa é um exemplo do que os cientistas chamam de transferência genética horizontal, um processo normalmente visto em bactérias e plantas, mas raramente em animais.
“Houve algumas acusações de que nós simplificamos demais as coisas ao dizer que isto é transferência genética horizontal. E eu acredito que é, mas é mais especial do que isso, porque teve de superar essa barreira de esterilidade híbrida na primeira geração de descendentes, no mínimo”, disse.
Dúvidas – Outros cientistas não estão tão certos disso. “É um trabalho interessante, mas eu não chamaria isso de transferência genética horizontal, eu diria que houve transferência genética na ausência de sexo”, diz Julie Dunning Hotopp, do Instituto para a Ciência do Genoma na Universidade de Maryland (EUA).
“De várias maneiras eu não acho que isto seja surpreendente. No momento em que você tiver uma forte pressão, como um pesticida, você terá a oportunidade para ter estas mudanças”, afirma.
“Como humanos, estamos aplicando mais pressão, mas podemos observar as mudanças mais facilmente também graças ao sequenciamento genômico aprimorado. Encontraremos mais exemplos como este porque podemos procurar mais.”
Por agora, pelo menos, os supercamundongos ainda não chegaram ao Reino Unido, primeiro país a descobrir a resistência em ratos e camundongos, na década de 1960. (Fonte: Folha.com)