Integrantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e membros da organização Operação Amazônia Nativa (Opan) correm contra o tempo para socorrer os índios enawenê nawê, instalados na Terra Indígena Enawenê Nawê, na zona de transição entre cerrado e a floresta amazônica, no Mato Grosso. A aldeia foi atingida por um incêndio acidental no último dia 28 e destruiu sete malocas, feriu quatro pessoas e desabrigou 280 moradores.
Fagulhas de uma fogueira instalada no interior de uma das cabanas (feitas com folhas secas de uma palmeira chamada buriti) causaram o fogo, que se espalhou rapidamente para as outras moradias devido ao período de estiagem na região Centro-Oeste.
Quatro pessoas tiveram queimaduras de segundo grau, uma delas em estado grave, e foram levadas para a cidade de Brasnorte (a 562 km de Cuiabá). Além disso, se perdeu um estoque de sementes de milho, um dos principais alimentos desta população.
Sagrado – Apesar da perda de malocas (sete das 16 casas sucumbiram ao fogo), o mais grave para os indígenas é que o incêndio destruiu artefatos como cocares e máscaras. Esses apetrechos são utilizados em rituais como o yaokwa, que tem duração de sete meses e consiste principalmente na pesca de barragem, feita com estruturas construídas de uma margem à outra do rio.
O rito foi considerado patrimônio cultural brasileiro em novembro de 2010, tornando esta ação em bem imaterial protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
“Para os enawenê nawê, a relação deles com os espíritos foi alterada com a queima dos artefatos. As máscaras, por exemplos, são utilizadas durante cantos e cerimônias em que se oferece comida para os ‘espíritos dos acidentes geográficos’ (morros, ilhas, corredeiras de rios), considerados perigosos e ameaçadores à aldeia. A queima desses itens pode provocar uma revolta dos espíritos contra eles”, disse Juliana Almeida, gestora do programa Mato Grosso da Opan.
Arrecadação – Foi montado na aldeia um acampamento para abrigar as famílias vítimas do incêndio. Segundo Renan Spessatto Leão, chefe da coordenação técnica da Funai em Juína, a 240 km da aldeia indígena, a preocupação principal de quem colabora com os enawenê nawê é com a questão cultural, que influencia diretamente o modo de vida dos índios.
“Pedimos ajuda ao governo do Mato Grosso para a arrecadação de recursos como alimentação e combustível para barcos. Precisamos de 13 mil litros de gasolina para percorrer o Rio Juruena e seus afluentes, e recolher folhas da palmeira buriti em localidades distantes da tribo. Só assim será possível remontar as malocas queimadas”, disse Leão.
“Com as casas refeitas, simboliza que eles (povo enawenê nawê) garantem aos espíritos que a aldeia será reconstruída, assim como os objetos utilizados nos rituais.”, disse Juliana, da Opan.
Histórico – Os enawenê nawê estabeleceram contato com a Funai há cerca de 25 anos, o que os indigenistas consideram recente. Para se chegar à aldeia, é necessário percorrer 60 km por via terrestre e mais 180 km de barco pelo rio Juruena, em uma viagem de aproximadamente oito horas.
Eles mantêm tradições, consideradas sagradas, que acontecem anualmente, como o ritual yaokwa. São realizados ainda o plantio do milho, a pesca com timbó (uma planta que é jogada no rio e baixa a oxigenação da água, fazendo com que os peixes flutuem e sejam recolhidos) e o ritual das mulheres (colheita de mel na mata). (Fonte: Eduardo Carvalho/ Globo Natureza)