Representantes do governo federal e moradores do Quilombo Rio dos Macacos, em Simões Filho (BA), ainda não acertaram a data da reunião em que tentarão, pela terceira vez, chegar a um acordo que ponha fim ao impasse em torno da área de 300 hectares que quilombolas e Marinha disputam na Justiça. Nesta quarta-feira (26), a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, garantiu que a nova rodada de negociação ocorrerá até meados de outubro.
Durante o último encontro, em 30 de agosto, o governo federal ofereceu às 67 famílias, que vivem a cerca de 1 quilômetro da Base Naval de Aratu, a possibilidade de continuarem ocupando uma área menor (23 hectares), equivalente a 23 campos oficiais de futebol. Os quilombolas rejeitaram a oferta, alegando que a área seria insuficiente para abrigar todos os atuais moradores em condições dignas, pois dividida, entre todos, representaria menos de 0,5 hectare por família.
Na ocasião, ficou acertado que moradores e representantes do governo federal voltariam a se reunir em breve e que os quilombolas deveriam apresentar uma contraproposta. Agora, segundo a ministra Luiza Bairros, a expectativa é que a resposta dos quilombolas permita ao governo “acomodar os interesses da Marinha e da própria comunidade.”
Enquanto os quilombolas lutam para permanecer no território reconhecido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e pela Fundação Palmares como sendo quilombola, a Marinha sustenta que a área é estratégica para a Defesa Nacional. A Força Armada diz que apenas administra a área – desapropriada na década de 1950 e que, atualmente, pertence à União, segundo a Marinha. Na área, além da Base Naval de Aratu, estão a Vila Naval da Barragem, onde vivem cerca de 450 famílias de militares.
“Estamos esperando que a comunidade nos diga qual é o pedaço de território de que ela necessita para sobreviver para que, a partir disso, possamos tomar uma decisão. No processo de negociação, a bola agora está com a comunidade”, comentou a ministra Luiza Bairros.
Estar de posse “da bola” na negociação não é o bastante para Rosemeire dos Santos Silva, umas das lideranças dos quilombolas. Procurada pela Agência Brasil, Rosemeire disse que enquanto o governo federal demora a achar uma solução para o impasse, a Marinha limita o direito de ir e vir da comunidade, chegando a usar de “métodos intimidatórios”, como revistar ostensivamente crianças a caminho da escola. Além disso, os quilombolas podem ser despejados a qualquer momento por força de uma decisão judicial.
“A Marinha ainda está limitando nosso direito de ir e vir, chegando a nos intimidar com o uso de armas. Até crianças a caminho da escola estão sendo retiradas das vans e sendo revistadas”, disse Rosemeire. Segundo ela, a comunidade pretende reapresentar, na próxima reunião, a mesma proposta, ou seja, reivindicar a posse dos 300 hectares.
“Estamos com a faca na garganta, com uma ordem de reintegração de posse contra nós, mas não somos invasores para pegarmos a primeira proposta e deixarmos nosso quilombo. Quem teria que fazer isso seria a Marinha. Chegaram a sugerir que só teremos água, energia elétrica, casas, saneamento e escola se aceitarmos a proposta [de 23 hectares], pois se formos disputar na Justiça o processo vai demorar e, até o fim, nada poderá ser feito. Estamos começando a cair na real. Quem está nos violentando não é só a Marinha, mas sim o governo federal, que não está fazendo seu verdadeiro trabalho, garantindo nossos direitos”, concluiu Rosemeire.
Em nota, a Marinha explicou que tanto os moradores do Rio dos Macacos, que são cadastrados pela Marinha, quanto os parentes de militares são monitorados ao ingressar na vila naval, cujo acesso é restrito por se tratar de área de segurança. Quem não é cadastrado, mas deseja ingressar na vila, é submetido à triagem e tem que observar às medidas de segurança previstas.
Ainda de acordo com a Marinha, embora a 10ª Vara Federal na Bahia tenha determinado que os quilombolas deixem a área imediatamente a fim de evitar dano ambiental e prejuízo às atividades militares, a “desocupação foi postergada reiteradas vezes, a fim de possibilitar uma saída pacífica dos réus, com realocação segura das famílias em condições dignas de moradia”. (Fonte: Alex Rodrigues/ Agência Brasil)