Na madrugada do último dia 6 de agosto, em Pasadena, na Califórnia, dezenas de cientistas da Nasa acompanhavam apreensivos a chegada do jipe-robô Curiosity ao solo de Marte. A imagem desse time comemorando o sucesso da aterrissagem com gritos e abraços correu o mundo. Uma brasileira, no entanto, preferiu não estar lá.
“Resolvi deixar espaço para a nova geração. Eu já vivi tudo isso, agora chegou a vez da renovação”, diz a engenheira carioca Jacqueline Lyra, 50, que chefiou o controle de temperatura da missão, mas escolheu assistir à chegada do jipe longe dos holofotes, com a família e outros cientistas no Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia).
Funcionária da Nasa há 24 anos, Jacqueline é uma espécie de rainha de Marte.
Das oito sondas que conseguiram realizar a difícil aterrissagem no planeta vermelho, quatro tiveram a participação dela: o pequeno Sojourner, em 1997, os robôs gêmeos Spirit e Opportunity, em 2004, e agora o Curiosity.
Da primeira vez que “chegou” ao planeta vermelho, em 1997, Jacqueline deu um jeito de levar um pouquinho do Brasil até lá. Ela virou notícia ao colocar o samba “Coisinha do Pai” para tocar em plena superfície marciana.
“A Jackie é extremamente talentosa, e as pessoas na Nasa têm um carinho muito grande por ela. Ela tem um jeitinho brasileiro que faz toda a diferença”, diz Paulo de Souza, cientista brasileiro que trabalha em projetos da Nasa ligados à Marte.
Mesmo não estando fisicamente nos laboratórios da agência, Souza, que hoje é professor na Universidade da Tasmânia (Austrália), diz que é como se a equipe dos projetos ligados a Marte fosse uma “grande família”, com todos torcendo pelo sucesso dos companheiros.
Um ano depois – Na última terça-feira, exatamente um ano após o lançamento de sua última empreitada, o Curiosity, a engenheira esteve no Brasil para falar do projeto, no evento LatinDisplay, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
Marte é considerado o Triângulo das Bermudas do Sistema Solar, com mais de dois terços das missões com destino ao planeta tendo se perdido pelo caminho ou simplesmente não funcionando ao chegar lá.
Por isso, o jipão atual da Nasa, que é do mesmo tamanho de um utilitário aqui da Terra, é tão importante. São dez instrumentos e 17 câmeras esmiuçando o lugar em busca de pistas de que possa ter existido vida por lá.
“Eu fico arrepiada toda vez que vejo o vídeo do pouso e penso no desafio que foi chegar até lá”, conta Jacqueline, em uma conversa em que o leve sotaque carioca se mistura a expressões em inglês.
A engenheira da Nasa Jacqueline Lyra, durante seminario de tecnologia no Mackenzie.
A ida para os EUA, feita em 1981, era para durar apenas um mês, mas acabou se estendendo até hoje.
“Eu queria ser astronauta, fazer algo ligado ao espaço. Para isso, eu sabia que precisava entrar em uma faculdade de engenharia aeroespacial. Mas no Brasil, no fim da década de 1970, não havia opções para uma mulher que quisesse fazer isso. Os institutos militares, que tinham cursos da área, não aceitavam meninas”, explica.
Experimento – Como tinha um irmão que morava nos EUA, Jacqueline decidiu passar uma pequena temporada com ele para “ver como era” a vida por lá. Acabou ficando, formando-se pelo Instituto de Tecnologia de Nova York e, em 1988, entrando para os quadros da Nasa.
No Laboratório de Propulsão a Jato da agência, dedicou boa parte de seu trabalho ao planeta vermelho, com exceção de um breve período focando em Saturno.
A engenheira fala com empolgação do projeto do Curiosity, mas diz que agora os esforços estão mesmo concentrados na próxima missão marciana, que deve acontecer entre 2018 e 2020.
“O grande sonho é conseguir trazer de volta à Terra alguma amostra de material.”
Sobre os boatos que rondam o próximo anúncio da missão, descrito como “revolucionário” por fontes da Nasa, a carioca desconversa.
“Também estou curiosa para saber do que se trata.” (Fonte: UOL)