Mesmo medindo as palavras para tentar evitar associar o Mato Grosso do Sul à violência fundiária e ao conflito entre índios e fazendeiros, o presidente do Sindicato Rural de Dourados, Marisvaldo Zeuli é taxativo: o Estado brasileiro tem que agir rapidamente para evitar que a já “muito difícil” situação de tensão descambe para conflitos mais violentos.
“Acho que ambas as partes estão tendo paciência, mas o governo tem que agir rapidamente para que esta situação não tenha um desfecho muito ruim”, disse o sindicalista à Agência Brasil e à TV Brasil, referindo-se ao conflito entre índios e produtores rurais sul-mato-grossenses, que há décadas disputam as férteis terras do estado, um dos maiores produtores de grãos e gado do país.
“Os produtores estão tentando se manter tranquilos, mas é algo muito complicado e não sabemos até quando isso vai continuar”, disse o sindicalista rural, lembrando que o Mato Grosso do Sul, sobretudo a região sul do estado, já vem sendo prejudicado, mesmo apresentando alguns dos melhores resultados do país em termos de produtividade rural. “Nossa produção poderia ser muito maior se tivéssemos mais tranquilidade. Pessoas que querem investir acabam não vindo para cá porque hoje é temeroso investir em um estado com esses conflitos, esse nível de insegurança jurídica. Quem perde com isso, além do produtor, é a população, o estado e o país”, comentou Zeuli.
Para o sindicalista, a proposta em estudo, de que os fazendeiros que compraram, de boa fé, terras no estado e que estejam devidamente regularizados sejam integralmente indenizados, recebendo não só pelas benfeitorias, conforme prevê a Constituição Federal, mas também pela terra nua, seria uma maneira de tentar resolver o problema. Principalmente porque, conforme apontam vários especialistas e instituições, inclusive o Ministério Público Federal (MPF), o Estado brasileiro é o principal responsável pela origem do problema, já que, durante o século passado, estimulou pessoas de outros estados a se instalar na região, concedendo-lhes títulos de terras em áreas muitas vezes já ocupadas por populações indígenas, às vezes expulsas à força do lugar.
“Tem que pagar pelo todo [terra e benfeitorias] e pelo real valor de mercado do hectare. Ninguém aqui roubou nada. O produtor comprou, pagou e tem os títulos de propriedade. Então é justo que ele seja reembolsado e possa comprar terras em outro lugar onde possa produzir com tranquilidade”, concluiu Zeuli.
Dono da fazenda Campo Belo, na região conhecida como Porto Cambira, Esmalte Barbosa Chaves culpa os sucessivos governos por permitir que o problema chegasse ao ponto atual. Ele concorda que a indenização integral aos produtores de boa-fé pelas futuras áreas indígenas demarcadas é a única solução para o conflito. Desde 2004, índios guaranis kaiowás ocupam cerca de 40 hectares da fazenda, formando a comunidade Passo Piraju, onde o Poder Público, além de ter instalado cisternas, já montou uma escola e um posto de saúde, embora o fazendeiro continue tentando reaver a área na Justiça.
“O culpado disso é o governo, que tem condições de acertar isso e já o devia ter feito há muito tempo. Cada dia que passa fica mais difícil uma solução porque os índios vão aumentando muito e eles têm o direito de reivindicar terras, afinal, cada um puxa a brasa para a sua sardinha”, comentou o fazendeiro, lembrando da ocupação, em 2004, de 41 hectares de sua fazenda, que tem cerca de mil hectares, onde, por mais de duas décadas, Chaves plantou soja, milho, arroz e trigo e criou gado. Um hectare corresponde a dez mil metros quadrados, o equivalente a um campo de futebol oficial.
“Os índios diziam que queriam trabalhar e eu falava que a área me pertencia, que eu já estava trabalhando ali há muitos anos. Eles não destruíram a plantação, nem equipamentos, mas comeram parte das vacas leiteiras. Todo dia ameaçavam invadir a sede da fazenda e, se tivessem chegado até lá, teria sido uma carnificina, porque o sindicato rural havia providenciado 20 seguranças que permaneceram por lá 19 dias e que estavam armados”, contou Chaves, assegurando que o maior prejuízo causado pela disputa foi à sua saúde. “Não fosse por tudo isso, eu estaria lá plantando até hoje, porque eu gosto muito de agricultura”, comentou o fazendeiro, mostrando as marcas de uma cirurgia do coração, feita após um infarto, e as sequela de um acidente vascular cerebral (AVC).
“O governo tem que comprar as terras para assentar esses índios, que alegam que a área pertenceu a seus antepassados, como de fato toda a América pertencia, mesmo eles tendo as perdido numa guerra, porque foi uma guerra. Uma guerra desigual, do bodoque contra a armas de fogo. Eu mesmo aceitaria vender as minhas, desde que a preço de mercado, e pago com dinheiro, não com títulos públicos”, disse o fazendeiro, para quem a “guerra” ainda não acabou. “Acho que ela continua, que todas as etnias ainda reclamam enquanto os produtores rurais estão sendo prejudicados”.
O agente de saúde indígena Walmir Junior, guarani kaiowá da própria comunidade, também cobra do Poder Público uma solução. “Precisamos da terra e não acreditamos mais em promessas”, comentou Júnior, mencionando que, em 2008, o então presidente da Funai, Márcio Meira, esteve na área e prometeu que até 2010 a área estaria identificada, demarcada e regularizada, pondo fim ao conflito. “Ao contrário disso, continuamos ameaçados de termos que deixar a área”. (Fonte: Agência Brasil)