Internet criou ‘mente global’, diz ex-vice-presidente americano Al Gore

“A humanidade está hoje numa encruzilhada e precisa escolher um caminho. As duas rotas levam ao desconhecido, mas uma passa pela destruição do equilíbrio climático do qual dependemos e pela exaustão de recursos naturais não renováveis; a outra leva ao futuro.”

Assim Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos e evangelista da luta contra o aquecimento global, conclui seu mais recente livro, no qual aponta os desafios que o mundo tem a enfrentar e propõe algumas saídas.

As quase 600 páginas de “The Future – Six Drivers of Global Change” (O Futuro – seis forças motrizes da mudança global), lançado na terça-feira nos EUA, pintam o complexo panorama de um planeta cheio de desigualdades e desafios políticos, assolado por questões éticas no terreno da ciência, monitorado por sistemas eletrônicos que quase eliminam a privacidade dos cidadãos.

Seguindo a trilha presente, adverte, a humanidade cava sua destruição, mas é possível mudar de rumo.

Seis eixos – Para isso, é preciso agir no âmbito do que Gore chama de forças motrizes da mudança global, que ele analisa em seis capítulos recheados de estatísticas e propostas.

A globalização da economia, a reordenação da divisão internacional do trabalho e as formidáveis mudanças que a tecnologia opera no processo produtivo estão em “Earth Inc.” (a corporação Terra); o mundo “internético” e seus maravilhosos, mas também temíveis, desdobramentos são analisados em “Mente Global”; e as questões do poder político e a emergência de novos jogadores num terreno até há pouco dominado pelos Estados Unidos são vistas no terceiro bloco.

Os outros três capítulos tratam de temas caros a Gore, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 2007 por seu ativismo na questão ambiental: o crescimento desordenado, os avanços científicos no terreno da medicina e da manipulação genética e as mudanças climáticas.

De todos, talvez o mais instigante seja o que trata da “mente global”, discutindo como o uso disseminado e instantâneo da internet está mudando nosso jeito de ser e expandindo as capacidades humanas.

Diferentemente de autores que advogam que a internet está criando uma geração de mentes preguiçosas, Gore defende que ela propicia uma extensão de nossas consciências. São tantos os benefícios da conexão à rede, lembra ele, que um relatório das Nações Unidas já definiu o acesso à internet como um novo “direito humano” básico.

O cybermundo, porém, não é feito apenas de diversão ou pacífico compartilhamento. Enfrenta, por exemplo, um acirrado debate sobre o controle da rede – e aí Gore lamenta que o governo brasileiro, o da Índia e o da África do Sul estejam apoiando a criação de um corpo internacional de governança, contra a manutenção do status quo, no qual os EUA governam “benignamente, de acordo com normas e valores que refletem as tradições americanas de liberdade de expressão e livre mercado”.

O americanismo, aliás, está presente em todo o livro. “A melhor chance de evitar a catástrofe e construir um futuro positivo repousa no restabelecimento da confiança na capacidade de liderança global dos Estados Unidos.”

Apesar de Gore afirmar que seu livro não pretende lançar as bases para uma futura campanha eleitoral, as conclusões formam uma clara plataforma política.

Ele afirma que é preciso “consertar as falhas e distorções do capitalismo e da autogovernança, o que passa por controlar o poder corrosivo do dinheiro na política”.

Em resumo: “A confiança no capitalismo de mercado e na democracia representativa caiu porque os dois estão precisando de reformas”.

Uma delas é no que tange à distribuição de recursos: “O capitalismo exige a aceitação de desigualdades, mas a hiperdesigualdade que vemos hoje é destrutiva tanto para o capitalismo quanto para a democracia”. (Fonte: Folha.com)