Na comunidade de Monte Alegre, município de Bragança, nordeste do Pará, a maior parte das famílias trabalha em sítios pequenos, com agricultura variada. Destaque para o cultivo da mandioca e para a produção de farinha.
O problema é que a vida na roça sempre foi dura. Além de ganhar pouco com os cultivos, os agricultores não sabiam aproveitar os recursos da floresta. Aliás, a mata era vista como problema.
A mudança de postura é o resultado de um projeto que se baseia principalmente no aproveitamento de um fruto produzido por uma palmeira da floresta: o murumuru, muito utilizado na produção de sabonetes e hidratantes.
O trabalho envolve diversas entidades. Um dos líderes é o padre Nelson Magalhães, que coordena a Cáritas local – um órgão de ação social ligado à igreja católica. “Fomos reunindo com as comunidades, buscando qual é a produção que tem na floresta, quais são as árvores que protegem os rios e, ao mesmo tempo, dialogando com as empresas que estão em busca do produto. Se não tiver quem compre também não tem incentivo para conservar produzir ou para juntar semente. O povo só vai tomar consciência de não derrubar a floresta, se ele souber ganhar dinheiro com a floresta em pé.”
Hoje, a coleta do murumuru já faz parte da rotina de dezenas de famílias da região. A palmeira dá frutos o ano todo, mas a produção fica mais forte entre abril e agosto. Na comunidade, a coleta do murumuru é uma atividade planejada e coletiva, feita em grupo. Os agricultores se reúnem uma vez por semana e vão todos juntos para as áreas de floresta.
A coleta na mata ocorre num clima animado e quase todos são parentes. Apesar da descontração, o trabalho também é cansativo. Na mata, a temperatura fica quase sempre acima de 30ºC, a umidade do ar passa de 80% e bicho venenoso não falta. Outro perigo são os espinhos que revestem o tronco e as folhas do murumuru.
Saindo da mata, os frutos são levados para os sítios, onde ocorre um primeiro beneficiamento. Na propriedade da família do Carmo, um sítio de 18 hectares, com várias casinhas, primeiro se espalha o murumuru numa lona plástica. Depois de uns dez dias secando, a polpa se desfaz e o que sobra são as sementes. Etapa seguinte: a quebra. É quando entram em cena as mulheres da família. O objetivo é retirar a amêndoa do murumuru, que fica dentro da semente.
Para vender melhor a produção, os agricultores de Bragança também formaram uma cooperativa. Por cada quilo de amêndoas, eles recebem R$ 2,50. Além do murumuru, os cooperados também vendem buriti, bacuri, andiroba, ucuuba, tucumã. Todos os produtos têm selo orgânico. Afinal, são coletados com respeito ao meio ambiente.
Além de vender a matéria prima, a cooperativa também começou a investir na fabricação artesanal de cosméticos. Os agricultores fizeram cursos, oferecidos pela indústria compradora, por uma ONG da Alemanha e também pelo Sebrae – o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Os itens mais fabricados são cremes e óleos hidratantes.
A venda de sementes, amêndoas, frutos e também dos cosméticos acaba funcionando como um complemento de renda importante para as famílias. Somando tudo, as novas atividades garantem um ganho extra por ano de cerca de R$ 3.200 para cada membro da cooperativa.
Essa nova fase alavancou uma série de mudanças no sítio da família do Carmo. Afinal, eles são sete cooperados e, juntos, conseguiram um aumento de renda de pouco mais de R$ 22 mil por ano. Primeira melhoria: com mais dinheiro no bolso, os irmãos compraram mudas de fruteiras, sementes de milho e feijão; adubo e ferramentas novas. Um investimento que eles nunca tinham feito no sítio.
Com lavouras mais produtivas e motivados pelo trabalho na floresta, os irmãos abandonaram toda e qualquer queimada na propriedade. Derrubar a mata virou coisa do passado. Dessa forma, o desenvolvimento sustentável pode deixar de ser apenas uma promessa e se tornar uma realidade para milhares de famílias da região. (Fonte: Globo Natureza)