Três anos depois da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, a preocupação com a produção e a sustentabilidade para as novas gerações vem mobilizando os indígenas, que aos poucos dão uma nova identidade à terra, antes ocupada em sua maioria por produtores de arroz.
A região, localizada a nordeste de Roraima, foi palco de conflitos entre índios e brancos. A disputa custou a morte de 21 líderes indígenas ao longo de mais de 30 anos de luta pela posse da terra. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a homologação da terra de forma contínua (antes era em ilhas) e a retirada de todos os não indígenas da área. Atualmente, 1,7 milhão de hectares abrigam 105 comunidades onde vivem cerca de 20 mil índios de diferentes etnias. Os macuxis são maioria, seguidos pelos wapixanas, ingaricós, taurepangues e patamonas.
Pensando na recuperação do meio ambiente e nas gerações futuras, os índios criaram um plano de desenvolvimento para a terra indígena que está em fase de implantação. O plano prevê ações para os próximos 30 anos. A perspectiva é que a produção focada na agricultura, pecuária e piscicultura, seja aliada a ações de reflorestamento e preservação do meio ambiente.
“As pessoas distorcem as coisas, dizendo que o indígena é incapaz, que não trabalha e que é preguiçoso. Nossa vida hoje, é que nós estamos buscando melhorar as bases para ter uma produção de qualidade, seja na agricultura, seja na pecuária. Não é de quantidade, é de qualidade”, observa o vice-coordenador do Conselho Indígena de Rondônia (CIR), Ivaldo André. “Dentro de três anos, você não consegue ainda arrumar a casa direito. Mas a expectativa é crescer com produção”, complementa.
O planejamento traçado pelo índios tem na pecuária a principal atividade econômica. O rebanho atual chega a 70 mil cabeças, o dobro do que havia antes da decisão do STF de homologar a terra de forma contínua. A criação de gado surgiu de um projeto introduzido na metade da década de 1980 pela Pastoral da Terra para auxiliar na subsistência dos índios. Foram doadas 50 fêmeas e dois machos às comunidades que se comprometiam a repassar a mesma quantidade para outras aldeias, depois de cinco anos, mantendo consigo o excedente.
A maior parte do rebanho é comunitária, mas algumas famílias podem ter sua própria criação se quiserem. Os animais são criados soltos e são abatidos com quatro anos, quando atingem cerca de 16 arrobas (240 quilos). A maior parte da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é composta pelo que os índios chamam de “lavrado”, uma vegetação muito parecida com a do Cerrado, o que facilita a pecuária extensiva. A carne não é vendida fora das reservas. Organizações indígenas acompanham o trabalho em assembleias anuais.
“Aqui é capim natural, capim nativo, o gado vive mesmo comendo capim. Então não precisa desmatar pra fazer os pastos né, aqui já era tudo assim”, diz Gregório Alexandre de Lima, da comunidade Pedra Branca que conta com um rebanho de pouco mais de mil cabeças de gado.
Gregório, que aprendeu a cuidar do gado trabalhando para os fazendeiros da região, lembra que nem tudo são flores e que a criação ainda tem muito a melhorar. “A gente tinha trabalhado com os fazendeiros e aprendeu também como cuidar do gado, então por isso tornou mais fácil pra gente, mas assim mesmo nós tem um pouco de dificuldade. Nós estamos preparando também os alunos, nós temos uma escola no Surumú que está preparando o jovem pra trabalhar também melhor do que a gente”, revela.
Ele se refere ao Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, que oferece cursos técnicos de agropecuária para os índios, por meio de gerenciamento e manejo ambiental, numa perspectiva de fortalecimento do uso sustentável dos recursos naturais. Ao final da formação, os alunos voltam às suas aldeias para disseminar as experiências adquiridas no centro de formação.
Em 2005, homens encapuzados invadiram o centro e incendiaram suas estruturas, destruindo de forma total a biblioteca, refeitório, dormitórios, igreja, posto médico, etc. Apesar disso, o centro continua a ser utilizado pelos índios que pretendem reconstruí-lo. O símbolo, um feixe com nove varas, é a síntese da perseverança dos indígenas. Cada vara representa uma região de Raposa Serra do Sol e o Conselho Indígena de Roraima (CIR). “Sozinha a vara é fácil de quebrar, mas juntas elas são mais fortes”, explica Leônidas Peres, o 2º Tuxaua da Comunidade do Barro, onde se localiza o centro de formação.
Além da pecuária, a agricultura vem ganhando mais espaço nas aldeias. As tradicionais lavouras de mandioca, feijão e milho têm sido incrementadas com técnicas mais modernas, introduzidas pelos próprios índios, alunos do Centro de Formação. A maior parte da produção ainda é voltada para a subsistência das comunidades, mas os índios já começaram a vender para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que compra produtos da agricultura familiar.
“Aqui se forma um profissionalizante pra voltar pra comunidade em uma área que a comunidade precisa. Por exemplo, na agropecuária, é na qualificação de rebanhos. Na agricultura, é mostrar para não trabalhar com agrotóxicos, mas com adubo orgânico”, explica Leônidas Peres.
De acordo com Peres, os índios querem reflorestar as áreas que antes eram usadas para a plantação de arroz. “Arroz aqui nunca mais”! Ele lembra que antes, com a chegada dos arrozeiros, “onde tinha madeira nativa, como copaíba, darora [sic], paricarana, outras madeiras que eram utilizadas muito pra casa, não existem mais. As caças, carne de veado, de tatu, já teve em quantidade, hoje a gente já tá vendo que está aparecendo novamente, alguns animais”.
O tuxaua revela que o desejo dos índios é reflorestar boa parte da área e reservar outra para manter a criação de gado. “A gente tem o apoio da Funai e vamos já começar a trabalhar nessa área. Agora tem que capacitar os agentes pra trabalhar nessa área”.
Peres explica que os índios esperam contar com a doação de um banco de sementes (copaíba, cedro, maçaranduba e árvores frutíferas) para que comecem a fazer o reflorestamento. Eles estão discutindo, inclusive a criação de um grupo para prevenir incêndios, comuns na região no período de estiagem. “A gente acha que o tempo que vai levar pra que a terra volte a ser o que era é de 30 a 50 anos, ou seja, a gente vai deixar pros que vierem”, completa. (Fonte: Agência Brasil)