A polêmica decisão do presidente do Equador, Rafael Correa, de explorar petróleo numa reserva em plena Amazônia equatoriana – que indignou ambientalistas, já mobiliza parte da sociedade civil no país e gerou mal-estar até com a Alemanha – teria sido motivada também por pressão da China, segundo levantamento feito pela Deutsche Welle.
Desde 2008, quando decretou a moratória de parte da dívida externa, o Equador passou a ter nos chineses seus principais credores. Só em agosto passado, o país recebeu US$ 1,2 bilhão como parte de acordos de pré-venda de petróleo. E o óleo extraído do Parque Nacional Yasuní poderia servir para suprir a demanda exigida por Pequim. “A decisão de Correa de explorar Yasuní é uma resposta à pressão internacional, à pressão da China. Nós temos uma dívida enorme com esse país”, afirma Jorge Espinoza, da organização ambiental equatoriana Acción Ecológica.
Em junho passado, Correa anunciou que a estatal China National Petroleum Company investiria US$ 12,5 bilhões na modernização e construção de novas refinarias no Equador. Antes disso, a dívida equatoriana com Pequim já chegava a US$ 7,8 bilhões, grande parte relacionada ao setor petrolífero. “Sem dúvida alguma, uma razão [para o projeto em Yasuní] é a crescente demanda de recursos naturais em países como a China, que estão desesperadamente famintos por petróleo, minerais e alimentos”, diz Alberto Acosta, ministro de Minas e Energia durante o primeiro mandato de Correa.
A China começou a se aproximar do Equador com a chegada de Correa ao poder, em 2007, em busca de fontes de recursos naturais para sua gigantesca indústria. Então, o país sul-americano vendia 75% do seu petróleo para os Estados Unidos. Hoje, estima-se que envie mais da metade para os chineses, e a tendência é que a cifra cresça. “A China tem um portfólio de investimentos em crescimento vertiginoso na América Latina, inclusive no Brasil, e os países, em geral, têm um comportamento diplomático bastante subserviente à China”, aponta o americano Philip Fearnside, pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisa das Amazônia). “Portanto, o potencial chinês para provocar impactos ambientais na região é grande”, conclui.
O governo equatoriano foi procurado pela reportagem da DW, mas não quis se pronunciar sobre o assunto.
Fracasso de iniciativa internacional – Ambientalistas e povos indígenas ainda se mobilizam para tentar impedir a exploração de petróleo no Parque Yasuní, uma das regiões de maior biodiversidade do mundo. Eles buscam recolher assinaturas para a realização de um referendo. O projeto encaminhado por Correa está atualmente na Assembleia Nacional que, dominada por partidários do presidente, deverá aprová-lo sem transtornos.
Em 2007, o Equador havia se disposto a preservar a região se recebesse US$ 3,6 bilhões de ajuda internacional, numa iniciativa conhecida como Yasuní ITT. O valor corresponde à metade do lucro estimado com a exploração do petróleo durante 10 anos. No entanto, o Equador conseguiu apenas US$ 13 milhões, doados por países europeus e organizações de proteção ao meio ambiente. A quantia foi depositada em um fundo de um programa das Nações Unidas e, com o fim do projeto, será devolvida. O episódio gerou fortes críticas, sobretudo da Alemanha, uma das principais defensoras da preservação do parque.
Quando foi anunciada, a iniciativa Yasuní ITT parecia revolucionária: países mais ricos ajudariam governos mais pobres a preservar a natureza em vez de explorá-la economicamente. Mas a empreitada inovadora tinha poucas chances de dar certo: segundo especialistas, o fracasso desse modelo já era esperado.
A presidente do Centro Equatoriano de Direito Ambiental (Ceda), Verónica Arias, aponta as contradições do governo do Equador como um dos fatores decisivos para a falha da iniciativa. Para ela, também houve problema na concepção do projeto, que era considerado como modelo para reduzir mudanças climáticas – e não um projeto de preservação da biodiversidade. Houve também, segundo ela, falta de clareza nas diretrizes sobre a aplicação dos recursos que viriam do fundo.
“Havia o plano A, que era não extrair petróleo na região, mas sempre houve o plano B, que era explorar Yasuní se não conseguissem juntar os recursos. A comunidade internacional percebeu isso como uma chantagem”, afirma. “As ambiguidades de Correa são uma das razões para que a comunidade internacional permanecesse afastada do projeto”.
Manobra política – O contrato com as Nações Unidas demorou demais para sair – no meio do projeto houve uma mudança da equipe da iniciativa. E ainda: Correa se opôs à forma de administração do fundo, composta por uma maioria de representantes internacionais. Essas ações fizeram com que, em todo mundo, existissem dúvidas sobre a proposta de preservação.
Para Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a compensação para evitar a exploração em Yasuní não serviu como estratégia para manter a região preservada. Na visão do pesquisador, a iniciativa não passou de uma manobra política de Correa para que, no fim, ele conseguisse uma desculpa para aprovar o polêmico projeto de exploração no parque – e sem essa desculpa, ele não teria apoio da população. Hoje o presidente garante que o projeto passaria por qualquer referendo popular no Equador.
“Qualquer tentativa de pedir que a comunidade internacional pague um recurso desse vulto está fadada a não dar certo. O Equador, para mim, a partir do momento que colocou essa proposta na mesa, já estava disposto explorar petróleo. O governo queria apenas criar um pretexto para, internamente, justificar o fato para a opinião pública”, diz Veríssimo.
O ex-ministro Alberto Acosta vê um efeito preocupante para o resto da Amazônia. Para ele, toda a região perde com “o fracasso de uma proposta que caminhava para uma era pós-extrativista e que, sobretudo, forçava que os conceitos de ‘desenvolvimento’ e ‘progresso’ fossem repensados”. (Fonte: Terra)