A mina de carvão que extinguiu um vilarejo de 800 anos na Alemanha

Apesar de a placa amarela ainda indicar o nome “Immerath”, todos os moradores parecem ter ido embora há muito tempo. No hospital próximo à entrada do vilarejo, que existe há mais de oito séculos, as persianas que vedam as janelas estão tortas.

O prédio de vários andares não é o único a passar uma imagem de abandono: em quase todas as casas, as persianas foram baixadas, as portas, pregadas com tábuas. No cemitério, os túmulos encontram-se vazios: os restos mortais foram exumados e enterrados a 12 quilômetros de distância, na localidade que se chama Immerath (neu) – “nova”.

Os letreiros na antiga cidade revelam que ela possuía duas padarias e uma farmácia. Somente algumas caixas de correio, os pontos de ônibus amarelos e os dentes-de-leão que crescem por toda parte trazem alguma cor a esse aparente deserto. Pássaros quebram o silêncio mortal, com seu canto. É opressiva a sensação de estar só nesta cidade-fantasma, esquecida por Deus.

Atmosfera insuportável – De repente, surge do nada um caminhão de entregas, com pisca-pisca de alerta ligado e buzinando alto. Como não há reação, a motorista desce do veículo, toca a campainha de uma casa e espera – até que finalmente a porta se abre. Mais um pouco, e a moradora que permaneceu em Immerath teria perdido a passagem da padaria ambulante.

As duas não têm muito a se dizer, pois tudo o que querem é desaparecer o mais rápido possível deste local sinistro. “Eu perdi tantos clientes. E muitos idosos não aguentaram a perda do lar, morreram antes da remoção. Isso tudo não é bonito”, deplora a padeira Laumanns.

A cliente também já queria ter ido há muito tempo. “A atmosfera aqui é insuportável. Meu marido constrói telhados e trabalha nas casas da nova Immerath, não encontramos tempo para terminar de construir a nossa casa lá.”

Ela aponta para um grande portão. “Lá trás, está todo o material dele. Antes de ter utilizado ele todo, nós não podemos ir embora. Afinal, toda hora acontecem assaltos e saques. Na verdade, eu não queria ficar nem mais um dia aqui.” A moradora esfrega os dedos, nervosa. Ela não sabe quantos ainda moram em Immerath, uns 50 ou 100 talvez. Antes do início da remoção, em 2006, eram 1.200.

Cidade-fantasma – Todos os moradores têm que estar fora da velha Immerath até 2014, quando chegam as escavadeiras para começar a demolição. Sob a localidade há jazidas de linhito, tipo de carvão mineral com elevado teor de carbono, utilizado para gerar eletricidade. A operadora de energia RWE, responsável pela exploração da área, já contratou empresas de segurança para patrulhar o local. Um morador armou seu portão com arame farpado e placas de aviso para desencorajar os ladrões.

Enquanto isso, vão inexoravelmente se aproximando as escavadeiras rotativas, que arrancam da terra o ouro negro com que se produz eletricidade. E dinheiro. Tanto, que a RWE Power pode se permitir comprar e arrasar regiões inteiras, com suas casas e plantações junto.

Desde meados do século passado, os habitantes da região no estado da Renânia do Norte-Vestfália, entre Aachen, Mönchengladbach e Colônia, se transformaram em refugiados, para que em algum outro local as casas tenham luz e as geladeiras funcionem.

Até o final da extração dos 1,3 bilhão de toneladas de carvão do campo de exploração Garzweiler 2, em 2045, mais de 30 mil pessoas de 80 localidades da região estarão vivendo numa casa nova. O que não significa que tenham reencontrado um novo lar.

Arbitrariedade e leis – Esse processo de erradicação acarreta inúmeros problemas. Até hoje, cidadãos como Stephan Pütz consideram uma humilhação o fato de a administração municipal de Erkelenz ter instado os habitantes afetados a contatar a RWE para tratar da remoção. Afinal, ninguém queria deixar sua terra por vontade própria. O certo, do seu ponto de vista, seria a empresa ter ido até eles.

A RWE também não disponibilizou casa nova para os removidos. Eles é que foram obrigados a organizar tudo, desde o local até a mudança. Um processo que dura anos. Pütz diz duvidar que o Estado tenha o direito de interferir nos planos de vida dos indivíduos por um período de tempo tão longo.

Assim, juntamente com a Federação para Meio Ambiente e Proteção da Natureza da Alemanha (Bund, na sigla em alemão), ele entrou com o processo no Tribunal Federal Constitucional. Em 2007, porém, a instância superior, o Supremo Tribunal Administrativo, em Münster, decidiu que a remoção correspondia ao interesse público e que, portanto, os cidadãos podiam ser desapropriados, de fato.

Última instância – Nesta terça-feira (17), a decisão foi confirmada em última instância pelo Tribunal Federal Constitucional. Para Stephan Pütz, a expulsão tem um componente de violência, mas a massa se resignou ao seu destino. “Não há nada a fazer”, dizem os cidadãos e políticos locais, dando de ombros.

Heidi Terhardt também pensa assim. Ela e seu marido eram proprietários de uma das duas padarias da localidade, e se mudaram com planos de dar seguimento a seu negócio em Immerath (neu). Contudo, o marido ficou doente. “O ombro”, faz questão de esclarecer, “o motivo da doença não foi desgaste psicológico causado pela mudança”.

O padeiro resolveu, então, aproveitar a situação inesperada, transformando a nova padaria em sua oficina de hobby. “Nossos novos vizinhos também são ótimos”, elogia a aposentada. O novo assentamento não é apertado, as casas não são coladas umas às outras, há mais espaço entre elas.

Monumentos e carvão – No entanto, falta um núcleo à “cidade-dormitório”, falta o charme do antigo lugarejo, crescido ao longo de séculos. Em Immerath (neu), falta a imponente basílica neorromânica, com suas torres duplas que anunciavam de longe a presença da cidade. No novo assentamento, não será construída uma igreja, apenas um local de reunião.

Até mesmo o moinho de vento de Immerath, com mais de 400 anos, será vítima da escavadeira. Segundo Stephan Pütz, apenas a metade dos antigos moradores mudou para o novo vilarejo. Devido à falta de perspectiva, muitos compraram imóvel numa outra região, com a indenização paga pela RWE, comenta.

Temendo atrair inveja, os moradores não comentam o valor das indenizações. Até porque todas as negociações entre empresa e proprietários foram realizadas da maneira mais individual e discreta possível.

Com a construção da nova casa, cada um quer mostrar que superou o desalojamento. Por isso, há até quem assuma empréstimos que ultrapassam a soma da indenização. Os agricultores receberam, de fato, novas terras. Mas raramente se comenta que parte delas fica o leste do país, pois não havia mais terreno disponível no local.

No final, ninguém precisará dormir na rua, mas Pütz enfatiza que o desgaste psicológico da desapropriação é enorme, citando um parecer do urbanista Peter Zlonicky sobre a viabilidade social da remoção de Immerath.

Pütz não queria deixar sua terra, mas agora, após a decisão do tribunal, ele precisa procurar uma casa nova até 2016. “Estou decepcionado com a sentença”, afirma, porém acrescentando: “Não adianta lamentar anos a fio a antigo lar. Por mais que se gostasse dele, é preciso olhar para frente e encontrar a paz interior.” (Fonte: Terra)