Há seis anos, Justo Cruz Rodríguez procurava uma forma de gerar uma aposentadoria sólida para si e para seu pai.
Assim, quando o governo aprovou uma lei oferecendo tarifas atraentes para a energia solar -as garantindo para os próximos 25 anos-, ele hipotecou a sua casa, a casa do seu pai e a sua oficina para instalar seis fileiras de painéis solares no jardim do pai, com a ideia de vender a eletricidade excedente. “Parecia seguro”, disse ele. “Era uma garantia do governo.”
Mas, agora, o governo espanhol planeja pagar bem menos. De acordo com uma lei que entra em vigor neste ano, o sistema de pagamento por quilowatt-hora será abandonado e, na prática, haverá cortes retroativos no pagamento. Há também a intenção de obrigar os produtores de energia solar a pagarem uma tarifa sobre a eletricidade que eles geram e usam, medida que manifestantes batizaram de “imposto sobre o sol”.
A Espanha enfrenta um crescente deficit – cerca de US$ 40 bilhões- porque nunca repassou aos seus consumidores o verdadeiro custo da produção energética, problema que cresceu como uma bola de neve com a crise econômica. Se nada for feito, esse deficit só irá aumentar, segundo especialistas.
Em toda a Europa, especialistas em questões energéticas se perguntam se as medidas espanholas não são uma tolice. Milhares de investidores sem dúvida enfrentarão insolvência, e talvez, segundo especialistas, as novas tarifas para os usuários de eletricidade própria desencadeiem uma corrida dos proprietários de painéis solares para venderem ou usarem sua eletricidade sem passar pela rede nacional de distribuição, reduzindo ainda mais a sua base de consumidores.
A abrupta reviravolta da Espanha tampouco deve agradar futuros investidores, segundo especialistas. “Quando um governo altera os termos dos contratos existentes, isso é uma medida ruim”, disse Toby Couture, consultor de energia solar da empresa E3 Analytics, em Berlim. “O governo perdeu sua credibilidade.”
As autoridades espanholas dizem não ter opção senão reduzir os pagamentos, que eram oferecidos para estimular investimentos em energia solar, mas agora são considerados excessivamente generosos, especialmente porque o custo dos painéis solares despencou nos últimos anos.
O novo sistema de pagamentos do governo deixou milhares de investidores, como Cruz, 51, em estado de choque. “Vou perder tudo.”
Nenhuma outra medida adotada pelo governo para reduzir o deficit energético é tão drástica quanto a redução dos pagamentos aos quase 60 mil produtores de energia solar, segundo a União Espanhola da Energia Solar.
“Se não fizéssemos nada, as duas únicas alternativas seriam a falência do sistema ou um aumento de mais de 40% no preço ao consumidor”, disse José Manuel Soría, ministro da Indústria, Energia e Turismo, defendendo os planos do governo logo depois do seu anúncio, em meados de 2013.
Alguns investidores dizem que buscarão formas de se tornarem independentes. Diego Nicolás, que é dono de uma empresa em Múrcia e instalou painéis solares no ano passado, disse que está cogitando investir em algumas turbinas eólicas e em um gerador para se tornar autossuficiente.
“Aí ficarei completamente independente, e não sujeito ao jogo numérico deles”, afirmou.
Mas tal opção não está disponível para Cruz. Depois que o governo reduziu pela primeira vez a renda que ele obtinha com os painéis, em 2010, ele renegociou os termos dos seus empréstimos. Mas acabou com uma taxa de juros maior e um prazo mais longo para o pagamento. “Não posso ir ao banco e dizer: ‘Não vou mais pagar'”, afirmou. “Mas o governo pode simplesmente fazer o que quiser? Isso não me parece correto.” (Fonte: Folha.com)